terça-feira, 6 de dezembro de 2011

IMPORTANTE DEPOIMENTO DE UMA MÃE WALDORF

Este é um depoimento que já foi postado aqui no blog como um comentário, mas que devido a sua importância julgo relevante destacá-lo. Agradeço a franqueza e coragem desta leitora.

Abraço fraterno
Ana Lúcia Machado


Olá a todos!

Meu filho integra o Jardim de uma escola Waldorf há 3 anos e estou encantada com esta pedagogia.

Ano que vem ele estará no primeiro ano do ensino fundamental e estou segura em mantê-lo em uma escola Waldorf.

Participo de um grupo de estudos de mães Waldorf e quando li “A Pedagogia Waldorf” de Rudolf Lanz pensei: “Oh Céus! É a escola que eu gostaria de ter cursado!”

Apesar do meu grande interesse e admiração, nesses poucos anos já percebi que a prática da PW pode esbarrar em falhas humanas que NÃO SÃO MAIORES DO QUE EM ESCOLAS NÃO-WALDORF, mas que são mais frustrantes porque ESPERAMOS MAIS de uma escola Waldorf .

A imagem que tenho em mente é: ao escolherem uma escola normal os pais MATRICULAM seus filhos em uma escola, e, ao escolherem uma escola Waldorf os pais ENTREGAM seus filhos à escola.

Não por lavarem as mãos e deixarem a educação da criança apenas a cargo da escola, mas por decidirem “nadar contra a maré” e investirem a educação formal de seus filhos a uma instituição que tem características diversas da maioria, que segue um currículo próprio sob muitos aspectos e que promete respeito à individualidade da criança e o ensino como forma de terapia.

Matrícula X Entrega - é uma grande diferença, que gera diferentes expectativas.

Então, não acredito em “forças adversas” como mencionou o professor Setzer, mas acredito em grandes frustrações decorrentes de grandes expectativas.

Por outro lado entendo o professor Setzer quando constata o cruel e difícil caminho da Antroposofia e da PW ao escrever que “nas iniciativas antroposóficas, não se pode permitir nada mal feito...”

Isso me parece um fato.

Mas somos todos humanos, INCLUSIVE OS PRATICANTES DA ANTROPOSOFIA E DA PEDAGOGIA WALDORF, então como negar a possibilidade de erros??????

Bem... minha humilde sugestão é: se a PW é um remédio aplicado dia-a-dia pelo professor (que é a figura-chave desta Pedagogia) e o professor é humano, não há como simplesmente dotá-lo de tanta autonomia, como se passível de erros não fosse – como se humano não fosse.

Temos que aprimorar (ou desenvolver) mecanismos de controle real do professor , priorizando o aluno e a proposta pedagógica e não o corporativismo.

Pais devem ter um canal muitas vezes sigiloso para que alguém de fora do conflito investigue um pouco do problema e saiba reunir as partes conduzindo-as a uma solução e não fazendo “acareações” que podem resultar em respingos no tratamento dado ao aluno em sala de aula.

Um dos debatedores (ou terá sido a autora de Clarear?) mencionou a necessidade de um aprimoramento geral da humanidade antes de dotar o professor de tanta autonomia. Eu concordo. Não chegamos lá ainda....

Quando meu filho entrou na Pedagogia Waldorf eu me apaixonei pela escola e pensei em ser Jardineira. Na verdade me imaginei sendo uma maravilhosa professora Waldorf. Hoje, depois de alguma auto-educação/reflexão, percebo tantas falhas em mim que não ousaria assumir uma classe. Tive uma educação muito firme e não entendo a “soltura” com que as crianças são criadas hoje em dia e, se pretendo ser uma professora Waldorf, preciso entender e trabalhar com a criança que existe hoje em sala de aula e não com o que eu imagino que deva ser uma criança em sala de aula.

 

Outra questão importante:
Tendo em vista as falhas a que nós humanos estamos sujeitos, me parece que ter um mesmo professor de classe por oito anos deva ser um projeto mais ligado ao futuro (com seres humanos mais auto-conscientes e auto-críticos) do que ao presente (salvo honrosas exceções)...

Já vi escolas W dando ao professor a possibilidade de seguir com a turma só até o 4º ano. Ou seja, o professor tem a oportunidade de auto-avaliar sua determinação em continuar.
É saudável para o professor. É saudável para a turma.

Quanto às críticas e elogios direcionados ao livro Clarear, gostaria de deixar também minhas humildes impressões.

O livro Clarear me ajudou. E me ajudou em diversos sentidos:

1º) vi que alguns dos meus receios sobre a prática da PW podem de fato ocorrer, e que não sou uma lunática procurando “chifres em cabeça de cavalo”. A PW é praticada por pessoas e, portanto, está sujeita a falhas. Então vamos tratar de diminuir as fendas através das quais tais falhas podem ocorrer??????

2º) me deu informações preciosas para que eu fique atenta e não deixe meu filho ter sua educação Waldorf prejudicada pelo erro de uma professora e/ou de um tutor. Eu quero muito que meus filhos desfrutem da PW!!!!!!!!!!! E agora tenho mais instrumentos e força para agir em caráter preventivo.

3º) em meus receios, eu achava que uma professora muito experiente na PW seria a melhor opção para que erros do professor fossem evitados e com isso eu enfrentava um grande problema: as duas escolas Waldorf onde posso matricular meu filho terão em 2012 professoras jovens e pouco experientes assumindo o 1º ano do fundamental. Ao ler Clarear percebi que talvez a motivação, a garra e o idealismo dos jovens seja melhor do que uma grande experiência desgastada pelo cansaço, falta de motivação e intolerância. Ou seja: estou convencida de que as jovens professoras - que são minha única opção, não devem me desanimar em manter meu filho numa EW, pelo contrário!!!!!!

Por outro lado, apesar de Clarear ter sido um livro positivo na minha relação com a PW (pois me municiou de informações para que eu saiba separar o bom do mau na prática da PW e assim sentir-me segura em continuar abraçando-a), concordo que:

1º) um trabalho que pretende “clarear” deveria sim fazer uma introdução sobre o que é a PW, pois sem meus filtros pessoais, advindos de meus estudos, eu teria ficado muito mal impressionada com a PW ao ler o livro - tanto assim que quando meu marido quis folhear o livro eu pedi que não o fizesse pois ele teria uma má impressão da PW num momento fundamental: a matrícula de nosso filho numa EW para cursar o fundamental;

2º) um trabalho que pretende “clarear” deveria sim mencionar alguns casos de sucesso da PW a fim de tirar o caráter de desabafo pessoal do trabalho e dar-lhe um caráter mais científico....

3º) um trabalho que pretende “clarear” deveria utilizar um título mais preciso, algo que deixasse clara a intenção de apresentar “casos equivocados de aplicação da Pedagogia Waldorf – um desserviço à Obra de Rudolf Steiner” e não um título que questione a PW em si, afinal, pelo que entendi do livro, a autora e outras depoentes são admiradoras da PW e/ou da Antroposofia.

Espero que a discussão sobre a melhora da prática Waldorf continue neste espaço. Isso me interessa muito.

Não conheço nenhum de vocês, mas pelo que li percebi que muito do que foi escrito no livro e no blog incomodou uns e outros. Ou melhor, ofendeu aos princípios e estudos de uns e de outros.

Os sentimentos advindos de tais ofensas são legítimos, mas, pelo bem geral, peço que façamos um exercício de perdoar as ofensas e de focarmos em idéias para a que a PW seja melhor praticada por todos.

Com esperanças de uma discussão frutífera,

E humildemente (pois não tenho títulos nem grandes experiências em PW nem em Antroposofia, sou apenas uma mãe em busca do melhor para seus filhos),

Egle M. T. Grecchi

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

REPROVADOS PELA ESCOLA DA VIDA

A cidade amanheceu mais suja hoje. Rastros de incivilidade podiam ser vistos pelas ruas, calçadas, nas esquinas, em muros. Lixo espalhado por vários quarteirões, expunha a vergonha de uma sociedade sem educação. Muitos papéis jogados no chão, garrafas de água e copos plásticos abandonadas nas muretas, como se as mesmas fossem depósitos de lixo.

Este foi o retrato que vi logo cedo ao sair de casa. Retrato que me chocou, que me causou indignação. Esta foi a condição que ficaram as imediações das instituições escolares onde aconteceu o ENEM neste final de semana. Uma comprovação de falta total de consciência ecológica.

Se esta nova geração tem agido assim, que esperança poderemos alimentar em relação ao nosso futuro?
Estamos anos luz distantes de culturas mais evoluídas como a do Japão por exemplo.

A única possibilidade de transformação dessa triste realidade está exatamente na Educação, na Educação que vem de berço e na oferecida pelas escolas. Cabe aqui refletir: estamos educando para a vida ou para exames, testes, etc? O papel da escola atual foi reduzido a preparação para avaliações? E a formação de seres humanos para a vida, como fica?

Só uma coisa a dizer: todos foram reprovados pela escola da vida nessa avaliação.

Abraço fraterno
Ana Lúcia Machado

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

MAIS UM DEPOIMENTO DE UMA PROFESSORA WALDORF

Compartilho este precioso depoimento de uma Profª Waldorf que no exercício diário de  sua profissão é capaz de perceber a necessidade de renovação da prática pedagógica e da dinâmica do organismo escolar. Um olhar que merece atenção, reflexão e ação transformadora. Que não nos falte a coragem jamais.
Abraço fraterno
Ana Lúcia Machado


"Vejo a resenha do Dr. Valdemar Setzer como o primeiro passo de muitos que ainda vão acontecer no caminho de Clarear. Um movimento que pode vir a ser muito saudável, dependendo apenas de nós mesmos.
Temos que desconfiar de tudo onde há muita Simpatia ou Antipatia, temos que exercitar o pensar polar. Esses foram um dos meus primeiros ensinamentos na antroposofia.
Foram muito duras as colocações sobre o prefácio de Ruy César do Espírito Santo. Entendo que a mesma critica que se fez a ele; a falta de conhecimento suficiente da obra de Steiner; pode-se fazer de quem o fez sobre o próprio Ruy.
Meu encontro com o professor Ruy se deu no meu primeiro ano de faculdade de pedagogia, na Puc-sp. Ele continua sendo meu professor desde então, mesmo eu tendo graduado há alguns anos.
Não poderia eu aqui passar o Currículo lates do professor, mas posso falar algumas poucas coisas que sei. Ruy foi pai e avô Waldorf, tem hoje uma ou duas filhas atuantes na PW. É um grande semeador, e leva a PW em suas aulas, ele mostra a existência desta pedagogia para muitos futuros educadores, como uma possibilidade de se fazer melhor, de se fazer diferente, uma possibilidade de olhar o Ser Humano em nós e no outro, e mudar o mundo em que vivemos, de se fazer uma sociedade e uma pedagogia mais humana. Muitos destes futuros pedagogos despertam, procuram o seminário e se tornam professores Waldorf.
O conhecimento de Ruy é vasto, passando por muitos pensadores, e o mais lindo é a propriedade que ele tem da essência do Ser Humano. Ele não é, e nunca quis ser intitulado como grande conhecedor da pedagogia Waldorf ou da obra de Steiner, ele é um estudioso e um semeador do autoconhecimento, do despertar de consciência do Ser Humano. Ele leva isso com ele aonde ele vai, não se limitando a grupos, classes ou segmentos.
Certa vez fui ao encontro do professor Ruy, e pude com ele desabafar e contar o que estava acontecendo comigo, recém professora Waldorf. Neste dia ele me contou de Ana Lúcia, e me emprestou o “rascunho” do livro. Lembro-me de observarmos juntos, que mesmo dentro de um ambiente tão especial como o da PW, as pessoas estão dormentes.
Levei a apostila de Clarear para casa, e comecei a ler. Mesmo não conhecendo Ana, ou qualquer outro autor dos casos, tive a incrível sensação de ter vivenciado, presenciado ou escutado histórias semelhantes. Isso me deu a certeza de que esse era um livro para ler em nossas reuniões pedagógicas, e que a escola poderia crescer muito com ele.
Foi aí que entrei em contato com a Ana, que me recebeu com muito carinho. Nesta fase o livro ainda não estava editado, e a Ana ainda procurava quem pudesse fazer a introdução, a apresentação do livro. Ela estava procurando por quem pudesse ir além disso, orientar, direcionar o seu trabalho. Ela foi atrás de seus professores de formação, foi atrás de nomes respeitados por todos nós, e ninguém abriu o espaço que fosse para a discussão do tema. Os poucos feed backs que teve eram “entendo, vejo a questão, mas não quero me envolver”. E ninguém acolheu, ou viu a oportunidade de trabalhar as questões levantadas.
Uma pena não ter sido feito o contato com o Dr. Setzer, quem sabe essas questões não teriam tido outros encontros.
Como se pode debater essas questões se não há espaço para isso? Eu não sei dizer ao certo quantos anos demorou para Ana conseguir enfim editar o livro, mas foi bastante tempo. Tempo suficiente para haver manifestações de todos que entraram em contato com o livro.
Ruy César, interessado neste despertar viu, acredito eu, não uma situação isolada da PW, mas um problema da humanidade. Atualmente todas as escolas tem problemas, a educação em si é um caos, há muitos problemas nestas relações aluno /família /professor/ escola/ sociedade. Quantas pessoas poderiam ser despertadas com estes casos? Quantos professores poderão olhar para si mesmos e se identificar? Quantos orientadores, diretores de escola? Quantos pais podem perceber que podem sim fazer diferente? Ou simplesmente perceber que há lados diferentes nas questões, que podem perceber o outro?
Uma das perguntas que Ruy nos incentivaria a fazer é: Qual o sentindo disto? Cabe a cada um de nós se afastar das particularidades e tentar ver o todo.
Qual o sentido do livro Clarear?
Quais são as possibilidades que ele nos traz?
Depois disto, podemos voltar e ver as particularidades. É um exercício constante, e que do Dr. Setzer começou com sua resenha, já clareando e atingindo o objetivo do livro. Só obscurece àqueles que fecharem seus olhos.
É momento de não termos verdades aniquilantes, mas sim de olhar o outro, e juntos olharmos à todas as questões, mesmo aquelas que não julguemos pertinentes, pois estas podem ser muito esclarecedoras para outras pessoas. Isso sim é incluir".











quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Resenha de CLAREAR por Valdemar Setzer

Em meados de agosto fui procurada pelo Profº Valdemar Setzer que me perguntou se alguém havia feito uma resenha de Clarear. Respondi à ele que não. Então me informou que estava elaborando uma resenha e comentou: “O fato de nenhum professor Waldorf ter feito essa resenha até agora já mostra um problema na aplicação da pedagogia Waldorf no Brasil”.
É com imensa satisfação que compartilho nesse espaço a resenha feita por tão ilustre pessoa, conhecedora profunda e praticante da Antroposofia. Desde a concepção de  Clarear, sempre foi meu anseio que as histórias colocadas à público fossem iluminadas pela totalidade de doze prismas diferentes, como recomenda Rudolf Steiner. Sou grata ao Profº Setzer por seu ponto de vista. Que venham outros para enriquecer esta proposta de reflexão, pois como diz Paulo Freire “A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação TEORIA/PRÁTICA sem a qual a TEORIA pode virar um blábláblá, e a PRÁTICA ativismo.” (Pedagogia da Autonomia pg 24)
Para introduzir a resenha de Valdemar Setzer, convidei a jornalista Sandra Seabra Moreira, que diz:
"Quem acompanha a movimentação das comunidades antroposóficas sabe o tamanho das responsabilidades que as pessoas assumem e o tanto que, muitas vezes, sacrificam suas vidas pessoais pelo ideal que abraçam.
Também nós que participamos da elaboração de Clarear, desde que nos propusemos a expor nossas vidas e nossas crianças, também nos mantivemos extremamente ocupados – para além das nossas tarefas diárias – com as reflexões acerca dos rumos que tomariam uma publicação tão incomum no contexto da Pedagogia Waldorf no Brasil. Mais do que isso, como nos situaríamos no próprio movimento antroposófico, uma vez que nos colocamos de forma crítica e teimamos em não abandonar o barco. 
De um lado, Clarear ajudou a elaborar as frustrações; de outro, nos colocou em uma condição de vulnerabilidade. De um lado, torcíamos para que todos esquecessem os episódios relatados – são lembranças desagradáveis, tristes e penosas; por outro lado, nós sabemos, a indiferença que gera o esquecimento é a mesma que pode gerar mais ressentimentos. 
Por isso, o trabalho cuidadoso, preciso e isento do professor Waldemar Setzer nos surpreendeu de forma extremamente positiva. São 36 páginas, disponíveis no blog do autor http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/ , e no site da Sociedade Antroposófica do Brasil http://www.sab.org.br/pedag-wal/artigos/resenha-clarear.htm, em que Setzer esmiúça cada relato, realizando a difícil tarefa de separar o joio do trigo. É impressionante notar a dedicação e o empenho do professor, cuja extensa e profícua trajetória profissional, como intelectual e antropósofo, pode ser conferida na sua página na Internet. 
É como se uma grande lufada de vento trouxesse de volta aqueles dias tristes, quando tivemos de abrir mão da Pedagogia Waldorf, em nome da proteção e sobrevivência anímica de nossos filhos. Porém, logo percebemos que estávamos a receber o frescor necessário, a grande oportunidade de reavivar as questões de Clarear, no sentido de buscar o maior número possível de olhares, até, quem sabe, chegarmos ao 12º ponto de vista e atingir a inteireza da compreensão, como nos ensina Rudolf Steiner.  
Cada um analisa os fatos a partir de suas próprias vivências. Entretanto, de nada vale partirmos para o mundo com nossas vivências se não for para transformá-las. O professor Setzer se dispõe a manter contato com os leitores do blog e do livro e, assim, esperamos debater, em blocos, as apreciações do professor em relação a cada relato, seguindo a ordem em que foram publicados no livro. 
Para começar, trazemos a conclusão elaborada por Setzer e duas listas: a dos pontos positivos e a dos pontos negativos conferidos por ele à publicação.
Antes porém, gostaria de expressar minha opinião acerca de dois pontos específicos expressos na Conclusão.
O primeiro deles diz respeito a “forças adversas”, no seguinte trecho:
“Nesse livro fica patente uma realidade: nas iniciativas antroposóficas, não se pode permitir nada mal feito, pois as forças adversas imediatamente usam as falhas para atacar a Antroposofia e suas aplicações. As eW deveriam conscientizar-se disso e fazer esforços muito grandes para sanarem as suas falhas. Em particular, a situação nas eW parece ser deficiente em relação a atitudes frente a professores inadequados e à participação dos pais, que devem ser mais ouvidos e esclarecidos.”
Penso que as forças adversas estejam presentes em todos os lugares, no meio antroposófico ou não; e dentro e fora de nós. E acho que atuam cotidianamente; se assenhoram da faringe e da palavra falada, especialmente quando pais resolvem colocar suas indignações para fora, na frente dos portões das escolas. E quando, inadvertidamente, na sala dos professores, um educador se expressa de forma intolerante em relação a uma família, ou de forma crítica em relação a uma criança. Se há a percepção de que essas forças atuam mais fortemente no meio antroposófico, talvez seja porque há um farto e precioso conhecimento à disposição que é, infelizmente, ignorado na vida prática diária. Ou seja, acredito muito fortemente que somos perseguidos por nossas próprias forças adversas e é contra elas, em nós, que devemos atuar.
Forças adversas atuam também em ambientes onde impera o medo, onde tudo deve ser dito “à boca pequena”. Daí se dizer com frequência da necessidade de um espaço e tempo para que pais e professores sejam acolhidos em suas queixas e inseguranças.
Nesse sentido, acredito que manter, sustentar e expandir o humilde espaço deste blog seja de imensa utilidade. Embora a palavra escrita seja um registro extremamente forte e definitivo, exige reflexão e se opõe à impulsividade, ao extravasamento sem frutos.
O outro ponto que gostaria de comentar é a respeito do “ponto de vista exterior”, e o possível desserviço prestado por Clarear nesse aspecto. É interessante notar como a expressão “alguém de fora”  é incrivelmente utilizada no meio antroposófico. Na escola que frequentei como mãe, havia relutância em que “alguém de fora” fosse chamado para resolver um problema; um consultor, por exemplo. Sendo que esse alguém era um professor mais experiente de outra escola Waldorf. Fiz um estágio prolongado em uma escola e essa condição profissional me deixava na lista dos “de fora” entre os professores, e meio que na lista dos “de  dentro” entre os pais.  É surreal.
Embora a antipatia seja tão necessária para a tomada de consciência, é tão necessária assim a diferenciação? Quem é de fora? Quem é de dentro? A que mundo nos referimos quando dizemos “de fora”, “externo”?  Sim, o conhecimento legado por Rudolf Steiner é precioso, mas é para protegê-lo que inventamos muros? Será que realmente são necessários?
Aliás, não tenho notícias de publicações nesses moldes referentes a outras pedagogias. Será, então, que Clarear não é justamente uma demonstração de um diferencial? Se a Trimembração não é uma realidade tão palpável nas escolas Waldorf, parece que, pelo menos, os pais alcançam uma força além de seus limites para permanecerem firmes a um ideal, ainda que seus filhos tenham sido colocados à margem da proposta. Por essa via, podemos ser chamados pelos “de fora” de fanáticos. Quando simplesmente acreditamos na Pedagogia e no seu potencial, apesar dos resultados nefastos em nossas famílias.
Ao admitir a possibilidade de haver os de dentro e os de fora, eu me pergunto:  “A quem devo minha cumplicidade: ao movimento antroposófico, ao movimento  Waldorf ou às pessoas, às crianças, ao processo de aprimoramento da prática pedagógica?”
Exatamente dentro do movimento antroposófico, devo minha cumplicidade a algumas pessoas. Justamente àquelas que me ensinam com palavras, gestos e ações que a Pedagogia Waldorf deve ir para o mundo, e imagino que ela deva ir do jeito que é: com preciosidades e defeitos.
Enfim, não consigo enxergar esse castelo onde vive a Antroposofia, tampouco a necessidade de reforçar a defesa construindo fossos. Talvez por isso não consiga discernir quem são os de fora e quem são os de dentro. Uma iniciante, talvez? Mais um motivo para comemorar a chegada de mestres como o professor Setzer para que ele possa , com suas argumentações,  elevar cada vez mais o nível de nossos debates. Desde já, seja bem-vindo!"
Sandra Seabra Moreira

Resenha de Clarear por Valdemar Setzer:
 Pontos positivos
  1. "Os critérios de seleção das histórias (V. item 4 acima) parecem muito bons.
  2. "A afirmação da tendência de fechamento das eW em relação ao mundo, citada no item 4 acima é um fato.
  3. "O livro chama indiretamente a atenção das eW para a necessidade de implantarem procedimentos claros para que os pais possam expressar suas preocupações em relação aos professores, eventualmente sem ter sua identidade revelada.
  4. "A ideia de introduzir relatos dos pais foi muito boa, pois dá vida a assuntos em geral tratados abstratamente. Os relatos podem servir para dar uma idéia de vários problemas que podem ocorrer em eW.
  5. "A autora aborda situações e levanta questões que deveriam ser discutidas por pais e professores.
  6. "Essas questões deveriam ser examinadas pessoalmente por todos os professores e pais, tentando verificar se elas não se aplicam a si próprios.
  7. "As perguntas formuladas em todo o livro, que se aplicam às escolas como um todo, poderiam ser compiladas, ordenadas e discutidas em reuniões de professores, de pais e em conjunto com os dois grupos, para se diagnosticar possíveis problemas e verificar se cabe um esforço no sentido de melhorar a escola.
  8. "Em particular, o livro mostra que é essencial que as eW e os pais controlem se os professores estão cumprindo ou não o currículo estabelecido, e que lacunas sejam prontamente sanadas.
  9. "A autora tentou não identificar as eW tratadas no livro, e nem professores e pais cujos casos foram citados. Com isso, evitou conflitos pessoais resultantes do livro. No entanto, veremos no próximo item que esse ponto positivo tem suas falhas.
  10. "É digno de nota muito especial o fato de que, em absolutamente todos os relatos, as crianças que saíram de eW e foram para escolas tradicionais não tiveram dificuldades para se adaptar, o que é um ponto altamente positivo em relação às primeiras. Com isso, a autora contribuiu para desfazer o mito de que, sendo o currículo W tão diferente, as crianças talvez tenham dificuldades de adaptação quando interrompem os estudos em uma eW.
  11. "O livro mostra muito bem que as eW não são perfeitas, aliás, como seria de esperar. Quem sabe ele motive um impulso de essas escolas buscarem uma melhoria, a fim de evitar os males relatados nas "histórias" como, aliás, era o desejo da autora.
  12. "Pelos relatos, pode-se inferir que alguns professores de classe têm problemas; as escolas deveriam cuidar o desempenho desses professores mais de perto, como recomenda a autora. É preciso também avaliar cuidadosamente se o tutor pedagógico (sobre essa função, ver a resposta à pergunta 2 do item 5.7) está tendo o rendimento esperado; por alguns relatos, pode ocorrer o contrário.

 Pontos negativos
  1. "Falta algo fundamental no livro: uma introdução à pW para o público fora do âmbito das eW. Penso que uma pessoa que não conhece a pW adquirirá do livro uma ideia muito parcial dela, e provavelmente errada quanto aos aspectos negativos.
  2. "Uma falha grave é a autora não ter citado o livro de Rudolf Lanz, Pedagogia Waldorf – caminho para um ensino mais humano, 6ª ed., S.Paulo: Ed. Antroposófica, 9ª ed. 2005, referência obrigatória para qualquer texto que trate de pW no Brasil. Várias citações não contêm a fonte, por exemplo a de Steiner na p. 29.
  3. "A autora usa termos sem os caracterizar suficientemente para leigos, como "professor de classe" e "tutor". No último caso, pode haver confusão entre o "tutor pedagógico", e o "tutor de classe".
  4. "Um defeito grave que permeia o livro é a generalização de problemas pontuais como se fossem problemas gerais das escolas envolvidas e, pior ainda, da pW, como o caso do trecho da p. 147 que comentei no item 6.
  5. "A autora não quis identificar os professores e as escolas, o que parece razoável, para não dar um tom pessoal. No entanto, como chamei a atenção em uma das histórias, a menção de uma certa mãe a "classes paralelas" permite identificar de que escola trata o seu caso. Mas ele não é o único. Como há poucas eW em São Paulo, a identificação de cada caso não seria muito difícil. Minha esposa logo reconheceu um deles. Em particular, certas características das escolas saltam à vista.
  6. "Ela parece não saber que a figura do professor de classe tem sofrido adaptações, tanto no Brasil com em outros países, como já citei no item 3 acima, pois não cita esses exemplos.
  7. "Os relatos de evasão são todos do ensino fundamental, a menos da 10ª história onde, aliás, a mãe concorda com a razões para a saída da filha. Com isso, falta no livro uma descrição de problemas do ensino médio das eW.
  8. "Um aspecto que me pareceu grave foi a apresentação apenas da visão dos pais entrevistados, quando a autora deveria, a bem da objetividade, ter também entrevistado os respectivos professores e exposto também o ponto de vista deles. Evidentemente, a falta de objetividade também pode ocorrer com pais, de modo que é necessário muito mais do que uma entrevista com eles para se chegar a uma visão objetiva da realidade. Minha esposa conheceu casos em que os pais alegavam algo sobre seus filhos e ela própria pôde constatar que representavam uma visão distorcida da realidade. Devido a esses fatores, resolvi solicitar à professora de classe do filho da autora do livro que me enviasse o depoimento que consta no apêndice. Deixo ao leitor a tarefa de comparar o relato de Ana Lúcia (item 5.1) com o depoimento da professora.
  9. "O livro deveria abordar também casos em que houve problemas com professores e que eles foram sanados, seja em curto prazo por ações retificadoras, ou com o passar do tempo, com o amadurecimento deles, dos alunos ou dos pais. Esses casos poderiam servir de exemplo para os que não são resolvidos.
  10. "Teria sido relativamente fácil fazer um levantamento de quantos pais estão, por exemplo, muito satisfeitos, regularmente satisfeitos ou insatisfeitos, com várias classes de várias escolas, para mostrar se a insatisfação é generalizada ou não.
  11. "No sentido do item anterior, o livro aborda relatos de casos apenas negativos; talvez devesse ser complementado abordando também casos positivos, para não dar a impressão de que os negativos são preponderantes.
  12. "Todas as perguntas colocadas no fim dos relatos poderiam ter sido respondidas em termos da pW e da realidade das eW, como foi feito neste texto.
  13. "O prefácio de Ruy Cézar não coloca seus pontos principais, amor e autoconsciência, em relação à pW e à Antroposofia, que abordam esses temas em profundidade.

Conclusões
Esta resenha partiu do princípio que os relatos são objetivos e fiéis à realidade, e não interpretações pessoais; quando cabia, foram colocadas dúvidas a esse respeito. Partiu também do princípio que a autora teve contato estreito com várias eW, e que os relatos são de pais também de várias escolas. Baseado nessas premissas e no conteúdo do livro, cheguei às seguintes conclusões:
  1. "O livro trata, claramente, de problemas entre professores e alunos, e professores e pais, para citar a expressão de Ruy Cézar mencionada no item 3 acima. O texto não trata de problemas gerais da pW e sim de algumas escolas, como a relativa falta de controle sobre a atuação dos professores, especialmente os de classe. Minha maior objeção é o livro dar uma impressão de ser uma crítica à pW, quando em realidade ele contém uma constatação de fatos e consequente crítica a certos professores e certas eW. Uma generalização indevida permeia o livro.
  2. "Minha segunda objeção ao livro é o fato de os relatos do item 5 trazerem exclusivamente a opinião dos pais, sem ter apresentado a visão dos professores correspondentes. Os leitores podem avaliar a importância disso comparando o relato do item 5.1, feito pela autora do livro, com o depoimento da professora de seu filho, no apêndice do próximo item desta resenha.
  3. "O nome do livro está errado. Ele não coloca a pW em debate, coloca algumas eW e alguns professores W em debate.
  4. "Nota-se uma certa incoerência entre a admiração que a autora diz professar por essa pedagogia e suas atitudes de parar de frequentar o seminário pedagógico e tirar sua filha da escola no fim do jardim da infância. Afinal, o problema por ela relatado passou-se, segundo ela, somente entre seu filho e sua professora. Isso faz conjeturar que há algo mais profundo, negativo, na relação dela para com a pW e talvez para com a Antroposofia, o que, por exemplo, é confirmado pela menção do livro de Colin Wilson, conforme comentado no item 6 acima.
  5. "O fato de seres humanos, os professores e os pais, serem falhos, não diminui a importância e os bons resultados da pW. Pelo contrário, mostra uma de suas facetas mais importantes: a liberdade que ela dá aos professores. Liberdade pode ser mal ou bem usada, mas é essencial que os professores a tenham, como expus no ítem 6.
  6. "Nenhuma eW é perfeita, pois depende de seres humanos. A autora apontou algumas possíveis falhas. Há várias outras. A mais gritante em minha opinião é a falta de identificação de vários professores com a Antroposofia, quando não são frontalmente contra ela; conheço alguns desses últimos casos. Sem essa identificação, a pW torna-se mera técnica de ensino, como exposto no item 4. É muito possível que essa situação se aplique a vários dos professores mencionados nas "histórias" relatadas pela autora. Se for esse o caso, novamente a culpa não é da pW, é dos professores e das escolas, que não exigem aquela identificação e o estudo constante da base conceitual da pW, como aliás foi recomendado em um dos relatos (V. 5.9).
  7. "A escolha de Ruy César para prefaciar o livro teve o mérito de envolver alguém estranho à pW; no entanto, nota-se a dificuldade de uma pessoa nessas condições, sem grandes conhecimentos dela e de Antroposofia, comentar algo referente à pedagogia e a Steiner. Talvez tivesse sido melhor alguém profundamente envolvido com a pW e a Antroposofia fazer o prefácio – se é que alguém com essas características iria concordar em assumir essa tarefa, face ao conteúdo do livro.
  8. "Apesar dos pesares, os problemas relatados são relevantes. Nesse sentido, recomendo que todos os professores e todos os pais de eW leiam esse livro, refletindo se o que ele relata identifica-se de algum modo com suas próprias pessoas – o que lhes deveria levar a tentar mudarem-se a si próprios e suas atitudes –, bem como as suas escolas. Os casos relatados deveriam ser tema de debates nas eW pelo corpo de professores, suscitando a pergunta: há algo de semelhante ocorrendo entre nós neste momento?
  9. "Em termos de perigo para a pW, a autora não aborda certas questões fundamentais, como a possibilidade de descaracterização geral de algumas eW em relação àquela pedagogia. É interessante notar que todos os casos que ela relata como negativos são desvios em relação ao ideal da pW. Mas são casos pessoais, pontuais; ainda não representam um desvio generalizado de uma escola em relação aos princípios da pW.
  10. "Com o que não posso de modo algum concordar é que o livro seja público, como citado pela autora na p. 29. Ele deveria ter sido editado como material de estudo, vendido exclusivamente em eW e nos seminários de formação, e não como livro vendido em livrarias. Qual é a reação de uma pessoa que não tem a mínima ideia do que vem a ser a pW ao lê-lo? Provavelmente adquirirá uma péssima impressão da pW, pois o seu cerne trata de problemas, e não de resultados positivos, como os que se pode ler no excelente trabalho de Wanda Ribeiro e Juan Pablo [19] entrevistando cerca de 100 ex-alunos formados na EWRS, citado na p. 37. No caso, os problemas não são da pW, como a autora devia ter mostrado caso a caso, e o que procurei fazer, mas problemas de seus professores e de pais; é possível que alguns dos últimos não souberam levar suas preocupações aos primeiros e às escolas. Não se deve também descartar que certas crianças realmente podem ser excessivamente problemáticas. Deve-se ainda considerar que há vários pais que fazem uma ideia errada de seus próprios filhos, ou idealizam-nos fora da realidade como já mencionei no ponto 6 deste item. Lembremos o que foi relatado no ponto 1 do item 8 acima: falta no livro, para o público em geral, uma introdução à pW e definição de termos do jargão W. Além disso, deveria haver uma avaliação da magnitude dos problemas, isto é, em média, quantos pais em cada classe sentem problemas como os relatados ou ainda outros. Sem isso, uma pessoa desavisada pode adquirir a falsa impressão de que esses problemas – relevantes – são generalizados, o que de maneira alguma é uma realidade. Qual é a reação de uma pessoa desavisada ao ler "Selecionei os relatos mais significativos dentre um universo surpreendentemente grande" (p. 32)? Pode ser que esse universo seja até ‘grande’ em números absolutos, mas o que importa no caso é o fator relativo: quanto casos negativos como os que ela relatou ocorrem nas eW em relação aos casos positivos, em que a criança vai até o fim do ensino fundamental e talvez do médio? Provavelmente muitos pais tiveram paciência com problemas como os relatados no livro, e depois ficaram felizes por seus filhos terem ido até o fim dentro de uma eW. É importante frisar que há vários pais, enganados pela pressão dos vestibulares, que tiram seus filhos no fim do ensino médio W para colocarem-nos em escolas que ostensivamente preparam para o vestibular; a esse respeito, veja-se meu artigo "Meu filho está terminando o ensino fundamental Waldorf, e agora?" [20].
  11. "Note-se que a má impressão que o livro pode causar no público em geral engloba o "meio antroposófico" como um todo, como já exposto no comentário sobre a sua expressão "possíveis retaliações pelo meio antroposófico" citada no item 4.
  12. "Faço aqui algumas recomendações para as eW, que podem ser tiradas do livro: 1. As escolas deveriam ter um esquema de chamar os pais periodicamente, pelo menos uma vez por ano, para perguntar, em caráter confidencial, se teriam algo a comentar em relação à escola e aos professores; confirmando-se algum problema, deve-se tomar providências rápidas e relatar aos pais o andamento para a solução do mesmo; 2. Deveria haver uma regra de que qualquer problema com uma criança deve ser comunicado imediatamente aos pais (cf. 5.8, p. 113). 3. Se há tutoria pedagógica de professores de classe, e assim mesmo ocorrem problemas sem que se tomem atitudes para saná-lo, o tutor deve ser mudado. 4. Havendo essa tutoria, deve-se orientar os pais do ensino fundamental a tratar sempre dos problemas de seus filhos primeiro com o professor de classe e, se o resultado não for satisfatório, com o tutor e, em última instância, com a comissão coordenadora do ensino fundamental (que deveria existir em cada eW); 5. Os professores e tutores (tanto os pedagógicos quanto os de classe) devem ser orientados a jamais recusar uma conversa com os pais, dentro de um tempo relativamente curto (cf. 5.8, p. 117).
Em resumo final, do ponto de vista interno à pW, o livro parece ser uma excelente contribuição para o aprimoramento das escolas, dos professores e dos pais, como é a intenção declarada pela autora na p. 38. Certamente há e sempre haverá muito a ser melhorado nas eW, bem como na adaptação da pW para a época atual e para cada ambiente onde cada escola está inserida.
Nesse livro fica patente uma realidade: nas iniciativas antroposóficas, não se pode permitir nada mal feito, pois as forças adversas imediatamente usam as falhas para atacar a Antroposofia e suas aplicações. As eW deveriam conscientizar-se disso e fazer esforços muito grandes para sanarem as suas falhas. Em particular, a situação nas eW parece ser deficiente em relação a atitudes frente a professores inadequados e à participação dos pais, que devem ser mais ouvidos e esclarecidos.
Finalmente, do ponto de vista externo parece-me que o livro é um grande desserviço à pW e à Antroposofia, por induzir impressões errôneas das mesmas. Para o público externo a elas, em minha opinião o livro não clareia, obscurece.
Abraço fraterno
Ana Lúcia Machado

sábado, 27 de agosto de 2011

A surpreendente simplicidade de Paulo Freire

Estarei imersa  em Paulo Freire esta semana, me preparando para uma apresentação sexta-feira na UniÍtalo. E já comecei lendo algo que me encantou.Questionado sobre qual a qualidade que considerava fundamental num educador, a resposta de Paulo Freire é de uma simplicidade surpreendente: "Gostar da vida".

Reverencio este grande educador e acredito que para reencantar a Educação, precisamos de professores reencantados com a vida! Capazes de se admirar com a beleza da natureza que nos rodeia e capazes de irradiar para seus alunos o brilho do olhar que este sentimento desperta.

abraço fraterno
Ana Lúcia Machado

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O MUNDO É BOM!

Sou grata a ciranda de minha infância que me deu a consciência de pertencimento, de fazer parte do todo e de estar ligada ao outro, ao da minha direita e ao da minha esquerda, e que também mostrou-me que “tudo o que for ligado na Terra, será da mesma forma ligado nos Céus” (S. Mateus 18:18).

Reverencio essa roda que com maestria prossegue trazendo em si a força do uno, do individual e igualmente carrega o ímpeto e o poder do todo, do ligamento e da interdependência existente entre os seres. Abençoadas sejam as cirandas infantis, que como  sementes se espalham e se depositam em solo novo e fértil; adormecidas parecem nada significar, porém em tempo certo manifestam-se como poderosa fonte de vida. Abençoadas sejam as rodas formadas por meninas e meninos que compõe um colorido diversificado e harmonioso.

Feliz a criança que em sua infância pode fazer parte de uma ciranda e entoar as cantigas de rodas que a marcará para sempre. Enquanto se formarem cirandas nos quintais das casas, nos pátios de escolas, em praças e parques; enquanto crianças derem-se as mãos em grandes ou pequenos círculos, haverá a confiança de que o mundo é bom, e a esperança de transformação do ser humano e de suas relações.

À essa ciranda devo o sentimento de valorização de minha própria existência e o de respeito ao outro. Respeito aos meus pais, meus irmãos, respeito à todos que mesmo de passagem deixaram uma marca indelével em minha história. Profundo respeito aos meus mestres que me ensinaram o mistério oculto em cada ser vivente e a nossa total interligação e interdependência na sustentação da vida. À todos esses mestres minha eterna gratidão.

Carrego em mim a ESPERANÇA de um mundo bom, justo e verdadeiro, e a responsabilidade de revelá-lo às novas gerações através desta lente. Este é nosso dever enquanto pais e educadores, este é o dever da NOVA ESCOLA, com a qual eu sonho todas as noites.

Apresentemos à criança um mundo BOM para que ela adquira autoconfiança e possa ter fé na humanidade e em suas infinitas possibilidades. Proporcionemos à elas vivências que suscitem gratidão pela VIDA. Criemos um ÚTERO EMOCIONAL para essa criança recém chegada a este mundo com o intuito de preservá-la e protegê-la durante a primeira infância até que possa caminhar com confiança.

"A infância não é uma coisa que morre em nós e seca uma vez cumprido o seu ciclo. Não é uma lembraça. É o mais vivo dos tesouros e continua a nos enriquecer sem que o saibamos." (Franz Hellens)

Abraço fraterno
Gratidão eterna
Ana Lúcia Machado

terça-feira, 2 de agosto de 2011

TEMPO DE TREVAS NA EDUCAÇÃO


TEMPO DE TREVAS NA EDUCAÇÃO

A educação está em CRISE, e não é de hoje, assim como a humanidade e a natureza também estão. Vivemos uma fase de transição, porém percebemos prenúncio do novo. Algo está ganhando forma.
Hoje sou mãe de adolescente que cursa o Ensino Médio e sinto a angústia da falta de sentido da escola para os jovens. A escola  precisa se reinventar. A escola atual não compreende mais o ser humano que está diante dela, não sabe se comunicar com a nova geração. Não consegue mais, repetindo as mesmas fórmulas, transmitir a beleza que há no mundo.

Este vídeo é prova de que algo novo está chegando. Isso nos traz esperança. Ainda é noite, mas sabemos que o sol nascerá.

Há um texto de Ricardo Guimarães publicado na Revista Trip em 2005 que faz referência a um momento político brasileiro, que traduz muito bem os sentimentos vivenciados nessa fase sombria de transição na Educação:

"A consciência é como luz que mostra a realidade como ela é. Isso é bom.(...)
Esse processo de mudança - de um ambiente de luz e sombra para um ambiente de luz - é desorganizador da sociedade porque todos os combinados feitos na sombra perdem valor. Pelo contrário, passam a destruir valor quando vem à tona.(...)

Num primeiro momento, o sentimento é de indignação, mas aos poucos o medo e a desesperança, alimentados pelo tanto de sombra que existe em cada um de nós, podem tomar conta.

Para não perder a esperança, seria bom olhar para esse processo como um momento épico de transformação da sociedade e não como um episódio de decepção (...)

É melhor reconhecer que a mudança é cultural e coletiva, por isso profunda. Que vai ter muito desarranjo e sofrimento antes que surjam claramente os sintomas da saúde dos novos hábitos e costumes. Que vai piorar antes de melhorar.

Sem essa perspectiva de evolução e aprendizado para viver num ambiente com mais luz, o quadro atual é desesperador.(...)"

Conheça mais, acesse o Projeto Educação Proibida
 http://www.educacionprohibida.com.ar/

Abraço fraterno
Ana Lúcia Machado

quarta-feira, 20 de julho de 2011

O Impacto que causa um pai sobre seus filhos



A sabedoria divina fez com que a maior ferramenta a ser utilizada na educação dos filhos fosse o próprio exemplo de vida dos pais. Através da psicologia tantas pesquisas e estudos tentam indicar caminhos de sucesso na educação das crianças!!! Quantos livros ensinam segredos para os pais! Porém o mais eficaz e poderoso meio de educarmos nossos filhos é e sempre será através de nossas atitudes diárias. Deus é sábio e fez com que a autoeducação dos pais se tornasse o verdadeiro e único caminho para a educação dos filhos.
abraço fraterno
Ana Lúcia Machado

sexta-feira, 15 de julho de 2011

ESCOLA DE PAIS III

Já discutimos aqui a questão da superproteção aos filhos, a ausência da dor e da frustração na educação de crianças e jovens e as suas graves consequências. O texto a seguir reforça esse tema com total lucidez e objetividade. Eliane Brum é jornalista, escritora e documentarista. Tem uma coluna na revistaepoca.globo.com  às segundas-feiras.
Abraço fraterno
Ana Lúcia Machado

Eliane Brum
   Divulgação
Meu filho, você não merece nada
Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.

Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.

Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.

Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.

Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.

É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?

Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.

Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.

Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.

A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.

Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.

Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.

Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.

Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.

O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.

Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.

Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.

Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.

Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba.
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI247981-15230,00.html

terça-feira, 5 de julho de 2011

Consumo e escola por Luciane Lucas dos Santos

Esse texto é da Professora universitária e pesquisadora Luciane Lucas dos Santos que convida a escola a assumir seu verdadeiro papel na sociedade - o de formação de indivíduos capazes de atuar socialmente. Luciane propõe uma reflexão sobre o consumo do ponto de vista pedagógico e aponta alternativas viáveis de atuação da escola nessa direção. É um texto profundo e instigante:


Serve o consumo para pensar?!: Consumo e escola:

A reflexão sobre o consumo no espaço da escola: 

representações e outros assuntos na sala de aula



Há algumas semanas aconteceu o primeiro chat de consumo do Instituto Alana. Não pude participar, mas fiquei pensando sobre o assunto, principalmente porque um dos pontos abordados foi a relação entre consumo e escola. Postei várias coisas no twitter pós-chat, mas queria compartilhar aqui algumas idéias.

O consumo não é um ato solitário. Isto quer dizer que ele não é tão individual como muitos de nós acreditamos. O coletivo tem papel importante nas decisões de consumo dos indivíduos, já que os sentidos em circulação nos bens são sociais. O consumo individual, portanto, tem, por trás dele, um olho coletivo. Como intervir, então, nas representações sociais hegemônicas - nas idéias dominantes de beleza, verdade, justiça, elegância, diferença etc?

Se os pais têm papel, em primeiro plano, nos hábitos de consumo dos filhos, a escola não ocupa um lugar menos importante. Deve debater e refletir sobre o mundo vivido, os valores em curso na sociedade, o resultado da disseminação destes valores. Isto não significa que ela deva ser responsabilizada isoladamente pelas idéias com que as crianças chegam em casa. É preciso entender que a escola é um microcosmo da vida em sociedade; nela, manifestam-se os vários "pensares". E é bom que esta interação aconteça. Por outro lado, a escola não deve eximir-se de seu papel por conta das orientações que o aluno recebe em casa. De novo: a escola é um microcosmo do mundo vivido, reunindo inevitavelmente muitos olhares e perspectivas. É importante que a escola estimule não só uma ponderação mais crítica da realidade, como também prepare os muitos "pensares" para maior justiça cognitiva. De modo geral, família e escola devem compartilhar o trabalho de reflexão sobre as transformações (desejáveis ou não) nos sentidos de infância/adolescência, como serem, ambas, espaço de estímulo para outras experiências de troca e consumo cultural.

No caso específico da escola, a discussão sobre o consumo deve ser mais profunda e não resumir-se a trazer o consumismo como tema de debate em uma ou outra aula. As veias internas do consumo como fenômeno social precisam ser expostas para que sejam estimuladas novas práticas na vida da criança / adolescente. É preciso, por exemplo, não apenas ensinar ciência, biologia, química, mas expor o discurso científico em sua pseudo-neutralidade. O modelo de produção que hoje referendamos, as tecnologias que empregamos, os avanços da tecnociência que aplaudimos têm efeitos no mundo concreto. Ainda assim e na contramão destes efeitos, a ciência é ensinada nas escolas como neutra, como a forma mais nobre de saber. Sempre como se outras formas de pensar o mundo fossem rigorosamente anacrônicas e sem valor. Parecemos ignorar que, por trás do discurso científico, hoje, subjaz um modelo de performance, de corpo, de vida, de limite.

É preciso expor, em aulas diversas, o apartheid social que resulta da transformação do espaço em mercadoria (a cidade não é pra todos, haja vista a distribuição dos equipamentos urbanos). Do mesmo modo, é preciso debater algumas representações dominantes nos livros escolares. Dizem que a escola tem que ser neutra. Ok. Mas sua aparente neutralidade faz circular conceitos de crescimento e desenvolvimento que se tornam  palavras de ordem. Quem questiona o que o crescimento implica e a quem se destina? Porque desenvolvimento é uma palavra a priori boa nos livros escolares?

Exemplos não faltam para levantar maiores reflexões. Enquanto cartilhas e livros enaltecem o agronegócio com o seu "crescimento para o país", nem sempre trazemos à superfície alguns saberes usualmente silenciados em aulas de História e Geografia (camponeses que trocam sementes para manter a diversidade biológica, a não divisão cultura x natureza pelos indígenas, os direitos de terra para os povos quilombolas). É preciso criar o respeito por outras culturas e ensinar que a diferença não é má, desde que ela possa manter como igual a condição de conversa. Um camponês não é residual no seu conhecimento em relaçãoà tecnologia do agronegócio. Esta hierarquia construída por uma imaginário tecnológico naturalizou-se entre nós. É preciso que a escola estimule ouvidos e olhos para as mundivisões.

A diferença deixa de ser fator de enriquecimento sempre que vira distinção social - uma das molas mestres do consumo. Se o consumo gera pertencimento e é hj um dos principais marcadores identitários, é preciso que a escola fomente com criatividade outros modos de construção e fortalecimento da identidade, que estimule outros modos de integração e reconhecimento de grupo. Circuitos diretos de troca podem ser uma saída criativa para redimensionar politicamente o valor das trocas na constituição da identidade. Podem, também, desatrelar o consumo cultural do aspecto monetário que hoje o inunda. Não seria oportuno que os professores estimulassem clubinhos de gibis, de saberes e habilidades? As possibilidades de troca entre os alunos podem ser múltiplas, ajudando a desconstruir a idéia de que o dinheiro seja a única mediação possível nas trocas. Neste sentido, descortinar outros rituais não-ocidentais de troca em aulas de geografia, sociologia, etnomatemática, pode ser útil para desmistificar a idéia de que formas de troca que não envolvam dinheiro sejam qualitativamente inferiores.

Debater, na escola, o consumo é também debater a descartabilidade que caracteriza o contemporâneo. Antes de incensar a reciclagem, é preciso fazer as crianças refletirem sobre o caráter dúbio da velocidade, da inovação, da criação de objetos novos em folha. Contar a história de Leônia pode ser um bom começo e uma boa metáfora. Cidade invisível de Ítalo Calvino, Leônia mostra o modo automático como nos viciamos na novidade, não percebendo mais os custos sociais e ambientais deste mundo permanentemente fresco e renovado. Conforme denomina Beatriz Sarlo, trata-se, hoje, de "colecionar atos de consumo". Neste sentido, seria bom que a escola investisse em soluções pedagógicas capazes de fazer ver o dia seguinte do nosso "enaltecimento ao descarte e inovação tecnológicos". Muitas são as formas de suscitar esta curiosidade e esta percepção: fotografar o que está no lixo, buscar saber que fim as pessoas dão aos seus celulares, investigar em que países vão parar os computadores velhos de que se desfazem, por exemplo.

Em suma, a reflexão sobre o consumo, do ponto de vista pedagógico, precisa ser redimensionada. Os excessos de consumo sempre preocupam os pais, é verdade. Mas o nó górdio do consumo é anterior. Tem a ver menos com a quantidade e mais com a própria natureza do consumo que legitimamos. O consumo é um sistema de classificação social, já nos tinha advertido, de formas diversas, Simmel e Veblen (no século XIX) e Bourdieu, mais recentemente. Logo, o debate sobre o consumo é, antes, um debate sobre os valores que o mercado dissemina e a que o espaço da escola, como parte do mundo vivido, não está imune.  Uma escola realmente preocupada com este tema deve introduzir questionamentos sadios nos diversos programas de aula (incluindo química, física, biologia, além das matérias de natureza "social"), além de criar situações (visitas, aulas na rua, fotografias, gravação in loco, produção de infográficos em sala etc), em que a criança/adolescente tome contato com a realidade resultante de um mundo que escalona pessoas pelo que têm.