sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Um nome em destaque no cenário atual da Pedagogia Waldorf

Christopher Clouder é um nome que se destaca atualmente por seu discurso pontual e assertivo. Suas palavras procuram despertar escolas e educadores e arrancá-los de sua zona de conforto:

“Se a preocupação é com a criança, precisamos realizar a nossa própria mudança individual como educadores. (...) Mas não devemos ficar interessados só em nós mesmos. (...) Para trazer humanização ao mundo, temos que trabalhar juntos, o que permite criar novos caminhos. E isso as crianças irão herdar.”

Com essa postura, o dirigente da Federação das Escolas Waldorf do Reino Unido e Irlanda, Christopher Clouder, palestrou mês passado na sede da Sociedade Antroposófica. Atento às políticas públicas e às diversas culturas, o enfoque da palestra foi a necessidade de mudança de comportamento. Não da criança, mas do educador. O encontro aconteceu por ocasião de sua visita ao Brasil para abertura do seminário da Aliança pela Infância, movimento mundial do qual é um dos fundadores. Tanto de manhã como à tarde, a linguagem contextualizada e poética do professor Clouder precedeu à oficina dirigida pela professora Kundry, residente nos EUA, que apresentou histórias, música e gestos do universo infantil.

Já de início, o conselheiro das escolas waldorf dos países da União Européia demonstrou o engajamento social imprescindível a todos. “Precisamos ter como cerne a consciência do mundo atual e os problemas que as crianças enfrentam, esperançosos de que futuramente, como adultos, não cometam os erros das gerações anteriores.” Falou assim após frisar a alegria que as crianças trazem aos nossos corações. Foi como se ele chegasse à sala, abrisse a janela para entrar a luz daquele sábado, sorrisse em direção ao céu azul e estendesse então a visão ao mundo. “Se olhamos demais as flores esquecemos a realidade”, advertiu logo.

É voz corrente que o desafio histórico da humanidade está em conviver. No meio pedagógico, isso significa aprofundar a integração entre alunos, professores, pais, escolas, culturas, bairros, estados, nações... Mas não adianta ir tão longe, se não começar pelo auto-conhecimento. É o que aponta o professor Clouder: “O desafio não está somente em perceber o que a criança está vivendo, mas, em realizar a nossa auto-transformação.” Lamentavelmente, a humanidade não assimilou ainda as palavras de Sócrates ditas há 400 a.C. e tantas vezes repetidas por Rudolf Steiner: Conhece-te a ti mesmo.

Como alerta o professor Clouder, “não podemos mais fugir de nossa própria mudança”. Assim, iniciou a palestra com as palavras do médico e escritor polonês Janusz Korczak, referindo-se a ele como um dos maiores pedagogos do século passado. “Aprenda a conhecer a si mesmo antes de conhecer as crianças.” E são elas as colaboradoras desse processo ao tecerem perguntas à nossa individualidade, aponta o professor. “Cabe a nós trazer as novas respostas que não estavam sendo ditas antes.”

Korczak foi assassinado na câmara de gás junto com as duzentas crianças de seu orfanato. É homenageado nos dias de hoje por pessoas ilustres como a escritora Tatiana Belinky e o professor Moacir Gadotti, diretor do Instituto Paulo Freire, que escreveu um ensaio intitulado “Janusk Korczak, o Precursor dos Direitos da Criança”.

Nesse ensaio, Moacir Gadotti conta que Korczak, levado pela paixão à criança, retornou à infância numa aventura sem precedentes na história da pedagogia. Gadotti referia-se à obra “Quando eu Voltar a ser Criança”, uma espécie de diário, lançado em 1981 pela editora Summus. O primeiro livro de Korczak, escrito em 1901, chama-se “Crianças da Rua”. Em 86, a editora Paz e Terra publicou “Como Amar uma Criança” e a editora Perspectiva, “Diário do Gueto”. Pelos títulos de sua obra dá para ter uma noção a qual infância ele dedicou sua vida. Eram crianças pobres de um gueto judeu de Varsóvia.

É preciso ter como que um pressentimento dos mistérios da vida (R. Steiner)

A partir das palavras de Korczak, o professor Clouder aponta a luz no fim do túnel. A luz está com as crianças. Korczak disse que deve ser permitido à criança ser o que ela é, não basta amá-la, é preciso respeitar e compreendê-la. Num breve histórico, o professor Clouder mostrou que o respeito às crianças é um sonho nunca na história realizado. Mas como bom educador não perde o otimismo e chama a atenção para a urgência de nossa época em tornar esse sonho realidade. “C ada criança traz alguma novidade das regiões divinas. Nossa tarefa é remover os obstáculos, entre estes a injustiça, que impedem o espírito de penetrar com liberdade na vida. A pessoa desconhecida dentro de cada criança precisa se manifestar, porque ela é a esperança do futuro.”

C omo ouvir esse ser desconhecido? Aprofundando a criatividade viva nas crianças e em nós, é o que se pode sintetizar da fala do professor Clouder. Ele apontou a necessidade de o educador estar atento ao que chama de espaço vazio. De acordo com ele, é onde e quando o educador pode penetrar, com o sentimento, na expressão livre e autêntica da criança, que se manifesta de muitas formas, mas sobretudo através da fantasia e da imaginação. “A criança usa a imaginação naturalmente. E nós temos que aprender com elas, com o brincar, a enxergar o mundo imaginativamente, mas de forma consciente.”

Por que é através da criatividade que se pode ouvir profundamente a criança? As palavras de Rudolf Steiner são elucidativas. Ele disse que um grão de semente não se reduz ao que é visível ao olho, pois abrange de modo invisível toda a planta futura. De acordo com o seu pensamento, devemos usar de nossa sensibilidade, fantasia e sentimentos para compreender de forma viva que a semente ultrapassa o que os sentidos nos transmitem. “É preciso termos como que um pressentimento dos mistérios da existência”, disse Steiner.

Se a postura apontada por Steiner deve ser essa em relação à planta, qual não deve ser a nossa sensibilidade para “compreender de forma viva” o que a criança traz! Não se trata de um processo intelectual. Conforme explicou o professor Clouder, o intelecto está sempre na superfície, nunca penetra na realidade como a fantasia pode fazer. “Esta pode até nos levar para lugar errado, mas está sempre enraizada na realidade.”

O relatório para a Unesco, elaborado pela Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, com o título “Educação para século XXI - um Tesouro a Descobrir”, também aborda a necessidade de ouvir com mais atenção a criança. Esse trabalho, conhecido como relatório Jacques Delors. dá ênfase ao aprender e não ao ensinar. “Aprender a aprender”, escreveu a comissão que reuniu especialistas de várias correntes pedagógicas. Como observa o professor Clouder, aprender com a criança não são apenas palavras do movimento waldorf, estão sendo ditas por diferentes educadores no mundo.

O relatório também alerta para a urgência de se dar especial atenção à imaginação: “Num mundo em mudança, onde um dos principais motores parece ser a inovação tanto social como econômica, deve ser dada importância especial à imaginação e à criatividade. Claras manifestações da liberdade humana, elas podem vir a ser ameaçadas por uma certa estandardização dos comportamentos individuais”.

Movimento renova a linguagem e avança

Seguindo a explanação do senhor Clouder, repleta de idéias de artistas, escritores, educadores e sobretudo de poesia, muita poesia, é fácil concluir que para acompanhar as mudanças de nossa época há de se possuir pelo menos uma dose da coragem de um Picasso, da persistência de um Samuel Beckett e da dinâmica de Paulo Freire, exemplos citados pelo professor. Picasso pintava na tela um vermelho e depois o retirava. Beckett é autor da frase: falhou não importa, falhe novamente, falhe de uma forma melhor. Ele, que escreveu a peça Esperando Godot, explorou o lado escuro da alma humana para descobrir o luminoso. E o pernambucano Paulo Freire, com sua simplicidade, disse que nós somos seres em transformação, por definição inacabados. “Para que sejamos temos de nos tornar.”

Tornar-se mais tolerante com nossos próprios erros e os dos outros é o caminho para a renovação. Sobre isso o professor Clouder também falou e não poupou nem ele mesmo, usando mais uma vez o verbo na primeira pessoa do plural: “Nós temos que aceitar a incerteza da vida moderna e assumir nossos próprios fracassos, porque sem isso não haverá aprendizagem.” Lembrou as palavras de Rudolf Steiner quando disse que se nós tratamos a educação como arte, temos que lidar também com as coisas feias. “Assim como não há evolução progressiva porque há a involução, também não há somente beleza do lado social”, comparou.

“Cultivar simplesmente a beleza seria um vôo para fora da realidade. As crianças devem confrontar o belo e o feio, saber viver no mundo a sua volta e não num mundo ilusório. Para isso, temos que estabelecer algumas concessões.” Em outro momento da palestra ele citou que uma turma do nono ano de uma escola waldorf na Noruega está fazendo um filme. “Temos de virar do avesso a aprendizagem através da experimentação do que o mundo está fazendo. É o que as novas gerações estão pedindo. Aí eles vão poder encontrar um contraponto.”

A flexibilidade desse dirigente que busca abrir novas escolas na antiga União Soviética e atua junto a entidades públicas e privadas no sentido de impulsionar a pedagogia foi o que permitiu recentes avanços. O Banco Santander na Espanha o convidou ao lado de outros estudiosos de prestígio a elaborar um estudo sobre educação baseado no conceito de inteligência emocional, popularizado por Daniel Goleman e que foca habilidades no relacionamento humano. Segundo o professor, esse convite aconteceu porque viram as escolas waldorf aplicando isso na prática em sala de aula, mas com outros nomes.

Outra conquista aconteceu no Reino Unido, onde até recentemente a pedagogia waldorf não havia recebido nenhum apoio do governo, restringindo-se lamentavelmente aos que podem pagar. No entanto, o professor conta que o atual ministro da educação de lá reconheceu que a pedagogia waldorf pode contribuir e anunciou publicamente um financiamento para inseri-la em escolas públicas. O professor enfatizou que o propósito da educação waldorf sempre foi atuar em escola pública. “O impulso waldorf não é escola particular.” Explica que esta existe como exemplo de escola, mas temos que desenvolver métodos que possam ser utilizados em outras escolas.

Um desses métodos que podem ser levados ao jardim de infância e às turmas de primeiro ano de qualquer escola foi vivenciado pelo público presente à palestra através do workshop dirigido pela senhora Kundry. São histórias curtas e músicas criadas a partir da vivência infantil com a natureza. Esse trabalho é fruto de uma pesquisa realizada por Wilma Ellersiek, originalmente em alemão, que a professora Kundry traduziu para o inglês e espanhol. A professora Chantal do jardim de infância Colibri, dois dias antes da palestra, traduziu para o português as músicas e histórias apresentadas, procurando criar novas rimas.

Esse trabalho traz um conteúdo importante não só pelas imagens como pela movimentação. Como explicou a professora Chantal, é através do movimento que as crianças aprendem e se relacionam com o mundo. Sons aparentemente sem sentido para o adulto acompanham o movimento que a criança realiza. Além disso, também são importantes a repetição e a alternância de ritmo, ora lento, ora acelerado, onde estão intrínsecas a contração e expansão, o que traz um respirar saudável.

Ao final, repetindo as palavras de Rudolf Steiner, o professor Clouder enfatizou que se nós conseguirmos trabalhar juntos com a mesma base espiritual atingiremos a união das nações. Garante que ao darmos as mãos e ouvir, as barreiras vêm abaixo. “O mundo clama por novos caminhos e o grande desafio é trabalhar juntos, com os diversos grupos.” Para as escolas, ele propõe a interação com os pais a ponto de eles verem o que o professor não foi capaz de fazer. Aceitar opinião de estagiários. Realizar tutoria, isto é, visita em classe de outros professores para troca de críticas e experiência. “Por isso modéstia”, frisou.
(Reportagem de Simoni Balilú)
http://www.federacaoescolaswaldorf.org.br/artigos/artclouder.htm

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

"Clarear", um convite à reflexão sobre a prática da pedagogia Waldorf

"Clarear" é uma proposta de reflexão sobre a prática da pedagogia Waldorf. É a expressão real da experiência de crianças que vivenciaram o dia a dia em escolas Waldorf, e manifesta, por meio de perguntas dos pais, o desejo de renovação e transparência na proposta e na prática pedagógica.

Como diz o escritor e mestre em educação Ruy Cézar do Espírito Santo em seu prefácio, trata-se de uma obra de relevância para a educação.

"Clarear" busca conscientizar os educadores sobre a importância do trabalho constante de autoconhecimento e autoeducação, além de propor o diálogo com outras abordagens pedagógicas como uma forma de se renovar.

Nenhuma pedagogia é necessariamente boa por si só. São os educadores que a tornam boa ou ruim em sala de aula com os alunos.