Em meados de agosto fui procurada pelo Profº Valdemar Setzer que me perguntou se alguém havia feito uma resenha de Clarear. Respondi à ele que não. Então me informou que estava elaborando uma resenha e comentou: “O fato de nenhum professor Waldorf ter feito essa resenha até agora já mostra um problema na aplicação da pedagogia Waldorf no Brasil”.
É com imensa satisfação que compartilho nesse espaço a resenha feita por tão ilustre pessoa, conhecedora profunda e praticante da Antroposofia. Desde a concepção de Clarear, sempre foi meu anseio que as histórias colocadas à público fossem iluminadas pela totalidade de doze prismas diferentes, como recomenda Rudolf Steiner. Sou grata ao Profº Setzer por seu ponto de vista. Que venham outros para enriquecer esta proposta de reflexão, pois como diz Paulo Freire “A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação TEORIA/PRÁTICA sem a qual a TEORIA pode virar um blábláblá, e a PRÁTICA ativismo.” (Pedagogia da Autonomia pg 24)
Para introduzir a resenha de Valdemar Setzer, convidei a jornalista Sandra Seabra Moreira, que diz:
"Quem acompanha a movimentação das comunidades antroposóficas sabe o tamanho das responsabilidades que as pessoas assumem e o tanto que, muitas vezes, sacrificam suas vidas pessoais pelo ideal que abraçam.
Também nós que participamos da elaboração de Clarear, desde que nos propusemos a expor nossas vidas e nossas crianças, também nos mantivemos extremamente ocupados – para além das nossas tarefas diárias – com as reflexões acerca dos rumos que tomariam uma publicação tão incomum no contexto da Pedagogia Waldorf no Brasil. Mais do que isso, como nos situaríamos no próprio movimento antroposófico, uma vez que nos colocamos de forma crítica e teimamos em não abandonar o barco.
De um lado, Clarear ajudou a elaborar as frustrações; de outro, nos colocou em uma condição de vulnerabilidade. De um lado, torcíamos para que todos esquecessem os episódios relatados – são lembranças desagradáveis, tristes e penosas; por outro lado, nós sabemos, a indiferença que gera o esquecimento é a mesma que pode gerar mais ressentimentos.
Por isso, o trabalho cuidadoso, preciso e isento do professor Waldemar Setzer nos surpreendeu de forma extremamente positiva. São 36 páginas, disponíveis no blog do autor http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/ , e no site da Sociedade Antroposófica do Brasil http://www.sab.org.br/pedag-wal/artigos/resenha-clarear.htm, em que Setzer esmiúça cada relato, realizando a difícil tarefa de separar o joio do trigo. É impressionante notar a dedicação e o empenho do professor, cuja extensa e profícua trajetória profissional, como intelectual e antropósofo, pode ser conferida na sua página na Internet. É como se uma grande lufada de vento trouxesse de volta aqueles dias tristes, quando tivemos de abrir mão da Pedagogia Waldorf, em nome da proteção e sobrevivência anímica de nossos filhos. Porém, logo percebemos que estávamos a receber o frescor necessário, a grande oportunidade de reavivar as questões de Clarear, no sentido de buscar o maior número possível de olhares, até, quem sabe, chegarmos ao 12º ponto de vista e atingir a inteireza da compreensão, como nos ensina Rudolf Steiner.
Cada um analisa os fatos a partir de suas próprias vivências. Entretanto, de nada vale partirmos para o mundo com nossas vivências se não for para transformá-las. O professor Setzer se dispõe a manter contato com os leitores do blog e do livro e, assim, esperamos debater, em blocos, as apreciações do professor em relação a cada relato, seguindo a ordem em que foram publicados no livro.
Para começar, trazemos a conclusão elaborada por Setzer e duas listas: a dos pontos positivos e a dos pontos negativos conferidos por ele à publicação.
Antes porém, gostaria de expressar minha opinião acerca de dois pontos específicos expressos na Conclusão.
O primeiro deles diz respeito a “forças adversas”, no seguinte trecho:
“Nesse livro fica patente uma realidade: nas iniciativas antroposóficas, não se pode permitir nada mal feito, pois as forças adversas imediatamente usam as falhas para atacar a Antroposofia e suas aplicações. As eW deveriam conscientizar-se disso e fazer esforços muito grandes para sanarem as suas falhas. Em particular, a situação nas eW parece ser deficiente em relação a atitudes frente a professores inadequados e à participação dos pais, que devem ser mais ouvidos e esclarecidos.”
Penso que as forças adversas estejam presentes em todos os lugares, no meio antroposófico ou não; e dentro e fora de nós. E acho que atuam cotidianamente; se assenhoram da faringe e da palavra falada, especialmente quando pais resolvem colocar suas indignações para fora, na frente dos portões das escolas. E quando, inadvertidamente, na sala dos professores, um educador se expressa de forma intolerante em relação a uma família, ou de forma crítica em relação a uma criança. Se há a percepção de que essas forças atuam mais fortemente no meio antroposófico, talvez seja porque há um farto e precioso conhecimento à disposição que é, infelizmente, ignorado na vida prática diária. Ou seja, acredito muito fortemente que somos perseguidos por nossas próprias forças adversas e é contra elas, em nós, que devemos atuar.
Forças adversas atuam também em ambientes onde impera o medo, onde tudo deve ser dito “à boca pequena”. Daí se dizer com frequência da necessidade de um espaço e tempo para que pais e professores sejam acolhidos em suas queixas e inseguranças.
Nesse sentido, acredito que manter, sustentar e expandir o humilde espaço deste blog seja de imensa utilidade. Embora a palavra escrita seja um registro extremamente forte e definitivo, exige reflexão e se opõe à impulsividade, ao extravasamento sem frutos.
O outro ponto que gostaria de comentar é a respeito do “ponto de vista exterior”, e o possível desserviço prestado por Clarear nesse aspecto. É interessante notar como a expressão “alguém de fora” é incrivelmente utilizada no meio antroposófico. Na escola que frequentei como mãe, havia relutância em que “alguém de fora” fosse chamado para resolver um problema; um consultor, por exemplo. Sendo que esse alguém era um professor mais experiente de outra escola Waldorf. Fiz um estágio prolongado em uma escola e essa condição profissional me deixava na lista dos “de fora” entre os professores, e meio que na lista dos “de dentro” entre os pais. É surreal.
Embora a antipatia seja tão necessária para a tomada de consciência, é tão necessária assim a diferenciação? Quem é de fora? Quem é de dentro? A que mundo nos referimos quando dizemos “de fora”, “externo”? Sim, o conhecimento legado por Rudolf Steiner é precioso, mas é para protegê-lo que inventamos muros? Será que realmente são necessários?
Aliás, não tenho notícias de publicações nesses moldes referentes a outras pedagogias. Será, então, que Clarear não é justamente uma demonstração de um diferencial? Se a Trimembração não é uma realidade tão palpável nas escolas Waldorf, parece que, pelo menos, os pais alcançam uma força além de seus limites para permanecerem firmes a um ideal, ainda que seus filhos tenham sido colocados à margem da proposta. Por essa via, podemos ser chamados pelos “de fora” de fanáticos. Quando simplesmente acreditamos na Pedagogia e no seu potencial, apesar dos resultados nefastos em nossas famílias.
Ao admitir a possibilidade de haver os de dentro e os de fora, eu me pergunto: “A quem devo minha cumplicidade: ao movimento antroposófico, ao movimento Waldorf ou às pessoas, às crianças, ao processo de aprimoramento da prática pedagógica?”
Exatamente dentro do movimento antroposófico, devo minha cumplicidade a algumas pessoas. Justamente àquelas que me ensinam com palavras, gestos e ações que a Pedagogia Waldorf deve ir para o mundo, e imagino que ela deva ir do jeito que é: com preciosidades e defeitos.
Enfim, não consigo enxergar esse castelo onde vive a Antroposofia, tampouco a necessidade de reforçar a defesa construindo fossos. Talvez por isso não consiga discernir quem são os de fora e quem são os de dentro. Uma iniciante, talvez? Mais um motivo para comemorar a chegada de mestres como o professor Setzer para que ele possa , com suas argumentações, elevar cada vez mais o nível de nossos debates. Desde já, seja bem-vindo!"
Sandra Seabra Moreira
Resenha de Clarear por Valdemar Setzer: Pontos positivos
- "Os critérios de seleção das histórias (V. item 4 acima) parecem muito bons.
- "A afirmação da tendência de fechamento das eW em relação ao mundo, citada no item 4 acima é um fato.
- "O livro chama indiretamente a atenção das eW para a necessidade de implantarem procedimentos claros para que os pais possam expressar suas preocupações em relação aos professores, eventualmente sem ter sua identidade revelada.
- "A ideia de introduzir relatos dos pais foi muito boa, pois dá vida a assuntos em geral tratados abstratamente. Os relatos podem servir para dar uma idéia de vários problemas que podem ocorrer em eW.
- "A autora aborda situações e levanta questões que deveriam ser discutidas por pais e professores.
- "Essas questões deveriam ser examinadas pessoalmente por todos os professores e pais, tentando verificar se elas não se aplicam a si próprios.
- "As perguntas formuladas em todo o livro, que se aplicam às escolas como um todo, poderiam ser compiladas, ordenadas e discutidas em reuniões de professores, de pais e em conjunto com os dois grupos, para se diagnosticar possíveis problemas e verificar se cabe um esforço no sentido de melhorar a escola.
- "Em particular, o livro mostra que é essencial que as eW e os pais controlem se os professores estão cumprindo ou não o currículo estabelecido, e que lacunas sejam prontamente sanadas.
- "A autora tentou não identificar as eW tratadas no livro, e nem professores e pais cujos casos foram citados. Com isso, evitou conflitos pessoais resultantes do livro. No entanto, veremos no próximo item que esse ponto positivo tem suas falhas.
- "É digno de nota muito especial o fato de que, em absolutamente todos os relatos, as crianças que saíram de eW e foram para escolas tradicionais não tiveram dificuldades para se adaptar, o que é um ponto altamente positivo em relação às primeiras. Com isso, a autora contribuiu para desfazer o mito de que, sendo o currículo W tão diferente, as crianças talvez tenham dificuldades de adaptação quando interrompem os estudos em uma eW.
- "O livro mostra muito bem que as eW não são perfeitas, aliás, como seria de esperar. Quem sabe ele motive um impulso de essas escolas buscarem uma melhoria, a fim de evitar os males relatados nas "histórias" como, aliás, era o desejo da autora.
- "Pelos relatos, pode-se inferir que alguns professores de classe têm problemas; as escolas deveriam cuidar o desempenho desses professores mais de perto, como recomenda a autora. É preciso também avaliar cuidadosamente se o tutor pedagógico (sobre essa função, ver a resposta à pergunta 2 do item 5.7) está tendo o rendimento esperado; por alguns relatos, pode ocorrer o contrário.
- "Falta algo fundamental no livro: uma introdução à pW para o público fora do âmbito das eW. Penso que uma pessoa que não conhece a pW adquirirá do livro uma ideia muito parcial dela, e provavelmente errada quanto aos aspectos negativos.
- "Uma falha grave é a autora não ter citado o livro de Rudolf Lanz, Pedagogia Waldorf – caminho para um ensino mais humano, 6ª ed., S.Paulo: Ed. Antroposófica, 9ª ed. 2005, referência obrigatória para qualquer texto que trate de pW no Brasil. Várias citações não contêm a fonte, por exemplo a de Steiner na p. 29.
- "A autora usa termos sem os caracterizar suficientemente para leigos, como "professor de classe" e "tutor". No último caso, pode haver confusão entre o "tutor pedagógico", e o "tutor de classe".
- "Um defeito grave que permeia o livro é a generalização de problemas pontuais como se fossem problemas gerais das escolas envolvidas e, pior ainda, da pW, como o caso do trecho da p. 147 que comentei no item 6.
- "A autora não quis identificar os professores e as escolas, o que parece razoável, para não dar um tom pessoal. No entanto, como chamei a atenção em uma das histórias, a menção de uma certa mãe a "classes paralelas" permite identificar de que escola trata o seu caso. Mas ele não é o único. Como há poucas eW em São Paulo, a identificação de cada caso não seria muito difícil. Minha esposa logo reconheceu um deles. Em particular, certas características das escolas saltam à vista.
- "Ela parece não saber que a figura do professor de classe tem sofrido adaptações, tanto no Brasil com em outros países, como já citei no item 3 acima, pois não cita esses exemplos.
- "Os relatos de evasão são todos do ensino fundamental, a menos da 10ª história onde, aliás, a mãe concorda com a razões para a saída da filha. Com isso, falta no livro uma descrição de problemas do ensino médio das eW.
- "Um aspecto que me pareceu grave foi a apresentação apenas da visão dos pais entrevistados, quando a autora deveria, a bem da objetividade, ter também entrevistado os respectivos professores e exposto também o ponto de vista deles. Evidentemente, a falta de objetividade também pode ocorrer com pais, de modo que é necessário muito mais do que uma entrevista com eles para se chegar a uma visão objetiva da realidade. Minha esposa conheceu casos em que os pais alegavam algo sobre seus filhos e ela própria pôde constatar que representavam uma visão distorcida da realidade. Devido a esses fatores, resolvi solicitar à professora de classe do filho da autora do livro que me enviasse o depoimento que consta no apêndice. Deixo ao leitor a tarefa de comparar o relato de Ana Lúcia (item 5.1) com o depoimento da professora.
- "O livro deveria abordar também casos em que houve problemas com professores e que eles foram sanados, seja em curto prazo por ações retificadoras, ou com o passar do tempo, com o amadurecimento deles, dos alunos ou dos pais. Esses casos poderiam servir de exemplo para os que não são resolvidos.
- "Teria sido relativamente fácil fazer um levantamento de quantos pais estão, por exemplo, muito satisfeitos, regularmente satisfeitos ou insatisfeitos, com várias classes de várias escolas, para mostrar se a insatisfação é generalizada ou não.
- "No sentido do item anterior, o livro aborda relatos de casos apenas negativos; talvez devesse ser complementado abordando também casos positivos, para não dar a impressão de que os negativos são preponderantes.
- "Todas as perguntas colocadas no fim dos relatos poderiam ter sido respondidas em termos da pW e da realidade das eW, como foi feito neste texto.
- "O prefácio de Ruy Cézar não coloca seus pontos principais, amor e autoconsciência, em relação à pW e à Antroposofia, que abordam esses temas em profundidade.
Conclusões
Esta resenha partiu do princípio que os relatos são objetivos e fiéis à realidade, e não interpretações pessoais; quando cabia, foram colocadas dúvidas a esse respeito. Partiu também do princípio que a autora teve contato estreito com várias eW, e que os relatos são de pais também de várias escolas. Baseado nessas premissas e no conteúdo do livro, cheguei às seguintes conclusões:
- "O livro trata, claramente, de problemas entre professores e alunos, e professores e pais, para citar a expressão de Ruy Cézar mencionada no item 3 acima. O texto não trata de problemas gerais da pW e sim de algumas escolas, como a relativa falta de controle sobre a atuação dos professores, especialmente os de classe. Minha maior objeção é o livro dar uma impressão de ser uma crítica à pW, quando em realidade ele contém uma constatação de fatos e consequente crítica a certos professores e certas eW. Uma generalização indevida permeia o livro.
- "Minha segunda objeção ao livro é o fato de os relatos do item 5 trazerem exclusivamente a opinião dos pais, sem ter apresentado a visão dos professores correspondentes. Os leitores podem avaliar a importância disso comparando o relato do item 5.1, feito pela autora do livro, com o depoimento da professora de seu filho, no apêndice do próximo item desta resenha.
- "O nome do livro está errado. Ele não coloca a pW em debate, coloca algumas eW e alguns professores W em debate.
- "Nota-se uma certa incoerência entre a admiração que a autora diz professar por essa pedagogia e suas atitudes de parar de frequentar o seminário pedagógico e tirar sua filha da escola no fim do jardim da infância. Afinal, o problema por ela relatado passou-se, segundo ela, somente entre seu filho e sua professora. Isso faz conjeturar que há algo mais profundo, negativo, na relação dela para com a pW e talvez para com a Antroposofia, o que, por exemplo, é confirmado pela menção do livro de Colin Wilson, conforme comentado no item 6 acima.
- "O fato de seres humanos, os professores e os pais, serem falhos, não diminui a importância e os bons resultados da pW. Pelo contrário, mostra uma de suas facetas mais importantes: a liberdade que ela dá aos professores. Liberdade pode ser mal ou bem usada, mas é essencial que os professores a tenham, como expus no ítem 6.
- "Nenhuma eW é perfeita, pois depende de seres humanos. A autora apontou algumas possíveis falhas. Há várias outras. A mais gritante em minha opinião é a falta de identificação de vários professores com a Antroposofia, quando não são frontalmente contra ela; conheço alguns desses últimos casos. Sem essa identificação, a pW torna-se mera técnica de ensino, como exposto no item 4. É muito possível que essa situação se aplique a vários dos professores mencionados nas "histórias" relatadas pela autora. Se for esse o caso, novamente a culpa não é da pW, é dos professores e das escolas, que não exigem aquela identificação e o estudo constante da base conceitual da pW, como aliás foi recomendado em um dos relatos (V. 5.9).
- "A escolha de Ruy César para prefaciar o livro teve o mérito de envolver alguém estranho à pW; no entanto, nota-se a dificuldade de uma pessoa nessas condições, sem grandes conhecimentos dela e de Antroposofia, comentar algo referente à pedagogia e a Steiner. Talvez tivesse sido melhor alguém profundamente envolvido com a pW e a Antroposofia fazer o prefácio – se é que alguém com essas características iria concordar em assumir essa tarefa, face ao conteúdo do livro.
- "Apesar dos pesares, os problemas relatados são relevantes. Nesse sentido, recomendo que todos os professores e todos os pais de eW leiam esse livro, refletindo se o que ele relata identifica-se de algum modo com suas próprias pessoas – o que lhes deveria levar a tentar mudarem-se a si próprios e suas atitudes –, bem como as suas escolas. Os casos relatados deveriam ser tema de debates nas eW pelo corpo de professores, suscitando a pergunta: há algo de semelhante ocorrendo entre nós neste momento?
- "Em termos de perigo para a pW, a autora não aborda certas questões fundamentais, como a possibilidade de descaracterização geral de algumas eW em relação àquela pedagogia. É interessante notar que todos os casos que ela relata como negativos são desvios em relação ao ideal da pW. Mas são casos pessoais, pontuais; ainda não representam um desvio generalizado de uma escola em relação aos princípios da pW.
- "Com o que não posso de modo algum concordar é que o livro seja público, como citado pela autora na p. 29. Ele deveria ter sido editado como material de estudo, vendido exclusivamente em eW e nos seminários de formação, e não como livro vendido em livrarias. Qual é a reação de uma pessoa que não tem a mínima ideia do que vem a ser a pW ao lê-lo? Provavelmente adquirirá uma péssima impressão da pW, pois o seu cerne trata de problemas, e não de resultados positivos, como os que se pode ler no excelente trabalho de Wanda Ribeiro e Juan Pablo [19] entrevistando cerca de 100 ex-alunos formados na EWRS, citado na p. 37. No caso, os problemas não são da pW, como a autora devia ter mostrado caso a caso, e o que procurei fazer, mas problemas de seus professores e de pais; é possível que alguns dos últimos não souberam levar suas preocupações aos primeiros e às escolas. Não se deve também descartar que certas crianças realmente podem ser excessivamente problemáticas. Deve-se ainda considerar que há vários pais que fazem uma ideia errada de seus próprios filhos, ou idealizam-nos fora da realidade como já mencionei no ponto 6 deste item. Lembremos o que foi relatado no ponto 1 do item 8 acima: falta no livro, para o público em geral, uma introdução à pW e definição de termos do jargão W. Além disso, deveria haver uma avaliação da magnitude dos problemas, isto é, em média, quantos pais em cada classe sentem problemas como os relatados ou ainda outros. Sem isso, uma pessoa desavisada pode adquirir a falsa impressão de que esses problemas – relevantes – são generalizados, o que de maneira alguma é uma realidade. Qual é a reação de uma pessoa desavisada ao ler "Selecionei os relatos mais significativos dentre um universo surpreendentemente grande" (p. 32)? Pode ser que esse universo seja até ‘grande’ em números absolutos, mas o que importa no caso é o fator relativo: quanto casos negativos como os que ela relatou ocorrem nas eW em relação aos casos positivos, em que a criança vai até o fim do ensino fundamental e talvez do médio? Provavelmente muitos pais tiveram paciência com problemas como os relatados no livro, e depois ficaram felizes por seus filhos terem ido até o fim dentro de uma eW. É importante frisar que há vários pais, enganados pela pressão dos vestibulares, que tiram seus filhos no fim do ensino médio W para colocarem-nos em escolas que ostensivamente preparam para o vestibular; a esse respeito, veja-se meu artigo "Meu filho está terminando o ensino fundamental Waldorf, e agora?" [20].
- "Note-se que a má impressão que o livro pode causar no público em geral engloba o "meio antroposófico" como um todo, como já exposto no comentário sobre a sua expressão "possíveis retaliações pelo meio antroposófico" citada no item 4.
- "Faço aqui algumas recomendações para as eW, que podem ser tiradas do livro: 1. As escolas deveriam ter um esquema de chamar os pais periodicamente, pelo menos uma vez por ano, para perguntar, em caráter confidencial, se teriam algo a comentar em relação à escola e aos professores; confirmando-se algum problema, deve-se tomar providências rápidas e relatar aos pais o andamento para a solução do mesmo; 2. Deveria haver uma regra de que qualquer problema com uma criança deve ser comunicado imediatamente aos pais (cf. 5.8, p. 113). 3. Se há tutoria pedagógica de professores de classe, e assim mesmo ocorrem problemas sem que se tomem atitudes para saná-lo, o tutor deve ser mudado. 4. Havendo essa tutoria, deve-se orientar os pais do ensino fundamental a tratar sempre dos problemas de seus filhos primeiro com o professor de classe e, se o resultado não for satisfatório, com o tutor e, em última instância, com a comissão coordenadora do ensino fundamental (que deveria existir em cada eW); 5. Os professores e tutores (tanto os pedagógicos quanto os de classe) devem ser orientados a jamais recusar uma conversa com os pais, dentro de um tempo relativamente curto (cf. 5.8, p. 117).
Em resumo final, do ponto de vista interno à pW, o livro parece ser uma excelente contribuição para o aprimoramento das escolas, dos professores e dos pais, como é a intenção declarada pela autora na p. 38. Certamente há e sempre haverá muito a ser melhorado nas eW, bem como na adaptação da pW para a época atual e para cada ambiente onde cada escola está inserida.
Nesse livro fica patente uma realidade: nas iniciativas antroposóficas, não se pode permitir nada mal feito, pois as forças adversas imediatamente usam as falhas para atacar a Antroposofia e suas aplicações. As eW deveriam conscientizar-se disso e fazer esforços muito grandes para sanarem as suas falhas. Em particular, a situação nas eW parece ser deficiente em relação a atitudes frente a professores inadequados e à participação dos pais, que devem ser mais ouvidos e esclarecidos.
Finalmente, do ponto de vista externo parece-me que o livro é um grande desserviço à pW e à Antroposofia, por induzir impressões errôneas das mesmas. Para o público externo a elas, em minha opinião o livro não clareia, obscurece.
Abraço fraterno
Ana Lúcia Machado