domingo, 26 de junho de 2011

PROFESSORES: REFÉNS DE UM TEMPO TAREFEIRO?

“É o final de um período de ensino e faço a retrospectiva que deve ser, ao mesmo tempo, a base para preparar o que vem a seguir. Acumularam-se muitas questões não resolvidas. Sinto que a classe precisaria de um novo impulso. (...)
(...) Certos acontecimentos que se repetem entre as crianças desencadeiam em mim antipatias previsíveis e reações rotineiras. E sei muito bem que tudo isso leva a bloqueios, contraria meus ideais de educação. (...)
(...) Surgiram situações em que reagi de maneira inadequada porque estava cansado. Minhas forças esvaíram-se totalmente no preparo de uma matéria nova para mim, que me exigiu em demasia. Não será mais fácil durante a próxima época de História. Os livros já se amontoam em minha escrivaninha. (...)
(...) Enquanto leio o primeiro capítulo de uma obra de 300 páginas, logo percebo que ela pouco me ajudará para o ensino. Não obstante, continuo lutando enquanto o tempo se escoa, já sabendo que jamais conseguirei dar cabo da pilha de livros, apesar da certeza de que a obra decisiva se encontra ali na pilha. (...)
(...) Assumi minha tarefa com entusiasmo e idealismo, mas agora estou exausto... só estou reagindo às exigências externas e que, por isso, jamais consigo satisfazê-las.(...)"

O relato acima  é de autoria do Profº Heinz Zimmermann em sua obra Forças que impulsionam a educação”, porém poderia ser o desabafo da maioria dos professores atuais. Nesse mesmo texto, mais adiante, o Profº Zimmermann conclui: “um professor assim é o oposto do que as crianças precisam”.  E como resultado de toda essa angústia, as seguintes perguntas são formuladas por ele:
- Como posso ganhar tempo?
- Como chego a ideias pedagógicas?
- Como supero minha falta de forças e de coragem?
O trabalho de um professor não se limita àquelas horas em sala de aula com os alunos. As atribuições e exigências  extras  o período de ministração de aulas são enormes:  desde a preparação das aulas em si, passando por tarefas burocráticas com preenchimento de formulários,  preparação de reuniões pedagógicas, reuniões de pais, correções de cadernos de alunos, organização de exposições pedagógicas e eventos culturais do calendário anual escolar, elaboração e correção de provas, e muito mais. Com tantas tarefas a executar e prazos a cumprir, o tempo tende a comprimir, pressionar até a exaustão, provocando sobrecarga, desgaste e até mesmo o adoecimento do professor.
Existe nesse fazer contínuo, a tendência a uma cegueira quanto ao que é essencial. Corre-se o risco de uma escravidão do fazer, que resulta em ações automáticas, como uma máquina. É o fazer pelo fazer sem um sentido real, desprovido de consciência.
O que leva a escravidão do fazer?
Quando rompemos a ligação existente do fazer com o ser, geramos ações desconexas, desintegradas de nós mesmos. Aquilo que somos não está mais presente na ação.
As energias se esgotam ao executarmos tarefas sem a inteireza do ser, sem o devido foco no aqui e agora.  Existe a tendência de nos fragmentarmos entre um tempo que já passou, num lamento ou nostalgia, e entre um tempo que ainda está por vir, onde projetamos nossas expectativas, sem sabermos que o único tempo que nos pertence onde podemos verdadeiramente atuar, é o tempo presente.
A falta de presença, de participação ativa nesse único tempo que nos é dado, impede o acesso a fontes de energia, pois o tempo sem o devido preenchimento de nossa consciência, interesse e envolvimento, escorre improdutivamente e mina nossas forças.
O que dá sentido ao fazer humano é seu trabalho autoral, de natureza criadora, criativa, que só pode se manifestar a partir do interesse, entusiasmo e paixão por aquilo que fazemos. Somente quando atuamos com interesse e inteireza, podemos ser capazes de insights – ideias inspiradoras – que auxiliarão na prática pedagógica.
Portanto dois pontos precisam ser revistos com maior rigor: o primeiro de natureza mais técnica, exige a capacitação do lidar com o tempo por meio da organização, planejamento e discernimento das prioridades diante das exigências. Esse tempo é o tempo do relógio.  Nesse aspecto a disciplina é da maior importância para o cultivo de uma relação saudável com o tempo tendo como objetivo produzir resultados satisfatórios. Porém necessitamos compreender também a existência do nosso tempo interior, que abriga nosso estado de espírito. Se entediados, o tempo passa devagar, se ansiosos, mais rápido, e se atentos ao presente, não vemos o tempo passar. O escritor Raduan Nassar em seu romance "Lavoura  Arcaica" discorre sobre essa relação tão delicada do homem com o tempo dizendo que:  “O equilíbrio da vida está essencialmente nesse bem supremo,  e quem souber com acerto a quantidade de vagar ou de espera que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco ao buscar por elas e defrontar-se com o que não é. Pois só a justa medida do tempo dá a justa natureza das coisas”.
O segundo ponto, requer uma análise mais apurada sobre a metamorfose da vontade humana geradora de nossas ações. Da ação instintiva (da qual o animal compartilha com o homem) à ação resoluta, há níveis que vão se elevando à medida que a consciência aumenta.  Quando ajo sem nenhuma consciência, estou sendo levado por meus instintos. Ainda distante de minha consciência, há o agir impulsivo. Chamo de aspiração, quando minha ação ainda não é motivada por uma direção específica. A partir de um comprometimento, segue minha intenção um pouco mais direcionada. E com a intensificação do meu compromisso, alcanço a resolução: a decisão de agir com uma direção determinada, específica que conduzirá à realização, à ação em si, plena de consciência. Quando faço algo motivado pelo mais elevado nível da vontade humana, essa ação está totalmente integrada ao ser, é de domínio do ser.  Torna-se portanto um fazer autêntico, imbuído de sentido e entusiasmo, vemos então uma total integração do fazer ao ser.
Existe uma fonte renovadora de nossas energias. Ela pode ser encontrada nas pausas, na vivência do vazio e do silêncio penetrante, amoroso e absoluto. O silêncio se encontra entre os intervalos de nossa  inspiração e expiração. Nesse espaço de tempo  vivemos a experiência de UNIDADE capaz de nos conectar ao TODO.
Que a partir dessa reflexão haja a busca para a libertação desse tempo escravo do fazer. Aproveito para desejar a todos os Professores  boas férias.
Abraço fraterno
Ana Lúcia Machado

13 comentários:

  1. Seus artigos são motivadores! Agora o livro Clarear também chegou à Marília, SP. Nós, da Escola Waldorf Cora Coralina adquirimos um exemplar para nossa biblioteca. Sou mãe Waldorf e membro da comissão pró associação mantenedora do jardim e ensino fundamental da escola Cora Coralina da cidade de Marília.

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  2. Ana Lúcia Machado disse...

    Fico muitíssimo satisfeita ao saber que o livro está disponível na biblioteca da Escola Waldorf Cora Coralina. Que Clarear possa contribuir para um caminhar consciente e para o aprimoramento da prática pedagógica e crescimento da comunidade de Marília.
    abraço fraterno
    grata
    Ana Lúcia Machado

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  3. Adorei o texto foi reflexivo nas questões que envolvem a educação.
    obrigada
    Ivone

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  4. Obrigada querida Profª Ivone. Aproveito para falar que terminei de ler seu livro "Dimensão da Comunicação". Fiquei muito emocionada com seus relatos. Sua paixão pela Educação e amor aos alunos, pulsa a cada linha escrita. Você é uma batalhadora, vc faz a diferença a cada momento em sala de aula. Que seu exemplo sirva de inspiração para todos aqueles que convivem com vc. Recomendo a leitura do seu livro para que se compreenda que em meio a tantas adversidades, o amor é a força capaz de transformar a mais dura realidade. Á vc todo meu respeito e admiração por seu trabalho e por quem vc é.
    Abraço carinhoso
    Ana Lúcia Machado

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  5. Parabéns pela escolha deste texto que é muito inspirador, além de permitir uma reflexão oportuna. Acho que os alunos se vinculam mais com as vivências próprias do professor e do seu ser do que com o seu saber intelectual ou as informações que foi abarcando ao longo da preparação de suas aulas/épocas. Acho que uma dica útil é: procurar o o mais simples possível. E, claro, a vivência interior de cada um deve ser cultivada todos os dias.
    Um forte abraço!

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  6. Obrigada ProfºMárcio por seu apoio e suas dicas.
    abç
    Ana Lúcia

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  7. Oi Ana,

    Super relevante o post.

    Uma atenção especial aos exemplos dados por Zimmermman: há certa ênfase na leitura como instrumento de capacitação do professor. Há outros meios, entre eles, um que inclui a presença e vivifica no ato mesmo que é exercido: a concentração no visível e no invisível da aula. Assim, muito daquilo que pode vir através da leitura, poderá chegar diretamente ao professor em "tempo real" e singular.

    bj
    Nina

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  8. Prezada Ana. Li seu livro Clarear e, sinceramente, entendo que os depoimentos não correspoderam à sua proposta.
    Sou mãe Waldorf ha 06 anos, participo de grupos de estudo, fui para Botucatu, sou estudiosa a Antroposofia e sempre estou em contato com a FEWB. Igualmente entendo necessárias as discussões acerca dos tempos atuais. São tão necessárias que em todos os seminários, cursos e congressos (estaremos no Congresso em Bauru) são discutidos os temas ligados ao século XXI. Contudo,os depoimentos, na minha opinião, não debatem a Pedagogia Waldorf e sim a problemas pessoais de pais com professores que, certamente, "entraram dentro das crianças" fazendo com que a convivência se tornasse difícil.
    Outra observação: não vi e nem senti em nenhum momento dos depoimentos esforços dos pais em trabalhar em casa, no berço, a solução de seus problemas. Com uma exceção, todos queriam a solução da escola. Não podemos atribuir à escola o dever de educar. A proposta da Pedagogia Waldorf não é e nem pode ser de salvar o mundo.
    Sinto muito. Minha resposta ao seu livro daria para publicar um outro livro.
    Não vi mesmo o debate sobre a pedagogia Waldorf em seu conteúdo. Vi um debate, se assim podemos chamar, ao sistema, aos princípios e aos valores.
    Entendo que a pesquisa realizada pela USP responde por si só.

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  9. Cara leitora, fui mãe Waldorf durante 7 anos, seminarista do Curso de Formação de Professores da Pedagogia Waldorf, e sigo estudando a Antroposofia desde então.
    Durante os anos de formação no Seminário vivenciei uma lacuna entre prática e teoria.Meu encontro com a PW aconteceu exatamente por corresponder a valores e princípios que sempre nortearam a educação de meus filhos, porém trilhei caminhos sombrios na escola Waldorf. E acredito que encarar esses aspectos de sombra tais como o corporativismo na instituição, o preconceito racial, a exclusão social, o autoritarismo, e outras questões que Clarear aborda, não anula a existência do lado luminoso da PW, que é rico, consistente e muito colaborou para meu desenvolvimento pessoal e familiar.
    Clarear propõe uma reflexão sobre esses aspectos que com certeza vc não vivenciou e que talvez por essa razão seja difícil compreender.
    Abraço
    Ana Lúcia Machado

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  10. Cara Ana Lúcia Machado.... sou de Marília-SP, lí o seu livro e concordo com o último comentário que para mim foi de grande inteligência, eu fui mãe waldorf durante 10 anos e sou professora waldorf à 12 anos,e eterna estudiosa da Pedagogia Waldorf, entendo q essa lacuna q vc teve entre Teoría e Prática dificultou uma visão ampla da Pedagogia, respeito o seu ponto de vista, porém devemos saber q existem doze pontos de vistas distintos, assim como os doze pares de nervos cranianos que o ser humano possui, não podemos generalizar problemas particulares muito menos pessoais, sabemos que o mundo se encontra cheio de problemas mas esse seu ponto de vista não serve como pesquisa Científica que visa um debate Pedagógico....sinto muito, mas seu livro me causou uma preocupação, num mundo onde as pessoas precisam se unir, para mim clarear faz um movimento contrário, nos distancia cada vez mais. E digo mais,devemos nos preocupar com o outro e não julgá-lo, pois o outro sou eu mesmo ou as limitações do outro estão dentro de mim tbém. Uma vez ouvi de um grande mestre da Pedagogia Waldorf dizer que para transformar o mundo não adianta nada procurar os problemas lá fora porque eles na verdade estão dentro de nós. Devemos ser exemplos dignos apenas, proporcionar ao outro aquilo q futuramente ele possa doar, pq ele vai doar aquilo q veio até ele...e sempre, sempre ter "Amor e Gratidão" embora vc tenha passado por momentos difíceis tenho certeza q a Escola Waldorf te proporcionou momentos maravilhosos que deveriam e mereciam ser expostos tbém.

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  11. Cara Professora e leitora,
    A proposta de Clarear é olhar para essas histórias como representantes de uma patologia que ameaça a saúde da comunidade escolar, e iluminá-las a partir de pontos de vista diferentes, como proponho no próprio livro citando Steiner.
    As histórias que encontramos em Clarear trouxeram à tona questões que ficam encobertas na Pedagogia Waldorf como verdadeiros tabus.
    Esses problemas que vc denominou de particulares, pessoais, eu os considero como problemas da comunidade, e que os mesmos devem ser acolhidos com compaixão.
    Exatamente porque o outro sou eu mesmo é que eesas histórias não levam nomes, pois poderiam ter acontecido com qualquer pessoa, até mesmo com você.
    Mais uma vez quero enfatizar que encarar os aspectos sombrios nas escolas Waldorf, não anulará o lado luminoso da pedagogia Waldorf. Com o tempo, a medida que avançarmos nessa reflexão, trará mais brilho e saúde para todos.
    Clarear veio preencher uma lacuna existente, criou um espaço de diálogo e consciência, e deu voz a muitas pessoas cansadas de não serem ouvidas. Tenho recebido respostas de apoio à essa reflexão de norte à sul do Brasil e agradecimentos à essa iniciativa.
    Proponho que releia essas histórias e veja que nelas você também encontrará o reconhecimento por parte dos pais de aspectos positivos da pedagogia Waldorf, para mim um caminho de construção de um ser humano mais equilibrado e sensível.
    abraço fraterno
    Ana Lúcia Machado

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  12. Sandra Seabra Moreira28 de julho de 2011 às 13:02

    Caríssimas,

    É verdade o que essa professora anônima de Marília diz quando fala de "amor e gratidão". Sou grata a tudo o que aprendi e venho aprendendo no meio antroposófico, aos amigos que conheci, aos grandes companheiros de ideal.A própria Pedagogia é uma dádiva, sim, embora tenha sido uma experiência terrível para minhas filhas, como pode ser constatado em meu depoimento no livro.
    E essa professora falou de um tema que eu adoro: os 12 pontos de vista tão belamente colocados por Rudolf Steiner. Eu fiquei me perguntando: como, um dia, obtê-los? Os depoimentos contidos em Clarear não podem ser considerados um dos 12 pontos? Se sim, porque não podem vir a público? Se não, ora, por que não?
    Abraço,
    Sandra Seabra Moreira

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  13. Ana,embora tenha muito mais a partilhar do que eu mesma havia me dado conta,ao ler a resenha escrita e os comentários não consegui,por hora, escrever,mas consegui encontrar uma imagem e a deixo na minha identificação!A ela acrescento que se novos paradigmas não começarem a ser discutidos urgentemente dentro da Pedagogia Waldorf e nas Escolas Waldorf,pouco irá sobreviver da essencia deixada po Rudolf Steiner.
    Por outro lado esta resenha me permite uma percepção incrível!!Se não houver a morte do que se deteriorou tão destrutivamente reconhecida em muitos paragrafos e posições,nada novo irá surgir!Que venham mesmo muitos relatos bem semelhantes...continuemos a chamar de "situações pessoais"aquilo que destroi por dentro e portanto é um tumor que cresce...silencioso...
    Na tristeza mas também na esperança aguardo que o renascimento se complete num tempo vindouro.Por hora, estou a acompanhar os caminhos tão bem expostos em que identifico o 'ranso'de aonde uma Pedagogia pode chegar.Esta já possa partir.Algo realmente novo precisa germinar...com outro olhar,outro pulsar.Uma nova luz, num tempo,que espero, ser breve!
    Nossa homenagem ao que virá, esperemos a Fênix!Olhemos para o céu e continuemos no caminho da renovação.
    O seu Ana,foi sem dúvida um grande passo!Somos todos gratos em nossa casa em toda a nossa família e entre amigos daqui e de outros pontos espalhados por muitos lugares!

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