Que leitura pode ser feita sobre a tragédia em Realengo? Não sei. Tenho muitas perguntas e talvez nenhuma resposta. Mas atrevo-me a dizer que Wellington, filho de nossa sociedade, foi vítima também, assim como as 12 crianças que tiveram suas vidas ceifadas por ele na mais brutal das chacinas ocorridas em uma escola no Brasil.
Ele foi vítima da crise que estamos vivendo na família, vítima da atual crise na Educação, crise das instituições que se denominam religiosas, enfim, vítima de todas as instituições que deveriam apoiar e sustentar de forma saudável a nossa sociedade; sociedade que se encontra, assim como Wellington estava, gravemente doente, na UTI.
É o momento de perguntarmos e identificarmos onde estamos falhando com nossas crianças e nossos jovens. Como educadores, pais, sacerdotes, médicos e terapeutas, devemos perguntar qual a nossa parcela de responsabilidade na tragédia que nos assolou? Que modelo de ser humano estamos espelhando para as futuras gerações?
Nelson Rodrigues tem uma frase famosa que diz: “O caos não se improvisa, ele é obra de séculos”. O quadro atual caótico que temos diante de nós não surgiu de repente, não se fez ontem; já vem sendo tecido dia a dia nas tramas de nosso silêncio, de nossa omissão e falta de indignação frente a eventos que muitas vezes julgamos pequenos e que aos poucos revelam proporções que passam a escapar ao nosso controle.
Um exemplo disso são os casos de bullying. Tema que abordarei aqui mais detalhadamente em outra ocasião. Essa prática abominável vem crescendo a cada dia em nossa sociedade, nas escolas, entre nossas crianças, nossos filhos, e deveria ser tratada com mais atenção pelas escolas e famílias. O bullying é uma incubadora do caos social.
Essa tragédia hedionda de Realengo é conseqüência do descuido humano e desamor que se generalizou. Assistimos a mais sangrenta guerra travada nas trincheiras de nossa própria estagnação. Há quem afirme que o ser humano é um projeto que não deu certo, será isso mesmo? Quando despertaremos deste sono de morbidez e nos atentaremos para a realidade da dependência que temos um do outro, para a necessidade de cuidarmos uns dos outros? Leonardo Boff em sua obra “Saber cuidar”, analisa a fábula-mito do Cuidado, que coloca o cuidado na essência do humano, como um fenômeno que é a base possibilitadora da existência humana enquanto humana. Se negligenciarmos essa base, caminharemos para nossa própria extinção. Precisamos resgatar essa essência. Boff atribui a falta de cuidado à desconexão com o TODO,ao desconhecimento de que todas as coisas estão ligadas umas às outras.
O caminho que temos a nossa frente deverá ser percorrido na comunhão, com a consciência que estamos no mesmo barco. Ou salvamos todos, ou nos perderemos como humanidade. Nossa salvação e libertação se encontra na FRATERNIDADE
Abraços
Ana Lúcia Machado
Clarear é uma proposta de reflexão e renovação da prática da pedagogia Waldorf. Relata a história de crianças que estudaram em escolas Waldorf e traz por meio de críticas e perguntas dos pais Waldorf a possibilidade de aprimoramento da prática pedagógica. Clarear convida pais, educadores, escolas para um grande balanço e revisão, para a construção de uma escola melhor.
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Oi Ana Lúcia,
ResponderExcluirRealmente, a situação é preocupanta! O ser humano está perdendo a noção ou o sentimento de humanidade, está se psicopatizando, se posso dizer assim. Quem ainda tem o mínimo de lucidez tem que arregassar as mangas e trabalhar em prol da humanidade, a partir de si mesmo em primeiro lugar, para poder espelhar o modelo que quer formar. E não precisa ser o modelo pronto, mas o modelo em processo!
Eliza
Parabéns, Ana Lúcia pelo artigo, coerente e verdadeiro.
ResponderExcluirQuanto ao bullyng , gostaria apenas de salientar que as atitudes das crianças na escola , são espelho do que acontece dentro de casa. O que nossos filhos estão aprendendo conosco: desrespeito, indiferença, imcompreensão e desamor. Não podemos nos isentar desta responsabilidade. abs. Rose
Oi Rose,
ResponderExcluirGostaria de complementar seu comentário dizendo que essas atitudes podem espelhar muito mais coisas que apenas o ambiente e história familiares: -Pode também ser o espelho do professor de classe, do "clima" anímico da escola...Enfim, cada caso de bullyng na escola deveria ser "cuidado" com o maior interesse por TODA a equipe escolar e não apenas transferir a responsabilidade para a família como normalmente vemos acontecer.
Eduarda
A violência que se expressa no ambiente escolar espelha o TODO de nossa sociedade. Espelha a valência das instituições familiares, religiosas, educacionais, do poder público, e agora somente a somatória de todas essas forças será capaz de reverter essa situação. Vale mais arregaçar as mangas e assumir cada um sua parcela de responsabilidade seja enquanto família, escola, igreja, etc...Temos muito trabalho pela frente no sentido de transmitir valores sólidos que garantam a continuidade da história da humanidade. Recomendo à todos a leitura do livro "Bullying - mentes perigosas nas escolas" de Ana Beatriz Barbosa Silva.
ResponderExcluirabraços
Ana Lúcia Machado
Compartilho texto poético produzido pelo profº Ruy Cézar do Espírito Santo como contribuição para essa reflexão sobre a tragédia de Realengo. Aprecio muito a capacidade de comunicação através da poesia do profº Ruy.
ResponderExcluirAbraços
Ana Lúcia
BOMBA DE NEUTRON
Abre-se o abismo
Destrói-se apenas o ser vivo – especialmente o Homem
Nascer e morrer
Como um processo respiratório
Acompanha a humanidade
É belo o nascimento
É bela a morte
Como parte do desenvolvimento do ser humano global
A tragédia está no domínio de um Homem sobre os outros
Domínio pelo medo
Pela ameaça de morte
Ameaça de punição
Através dos tempos, escravos e povos cativos
Curvaram-se ante a tirania:
Tiranos do corpo: medo da morte
Tiranos do espírito: medo da punição eterna
O que é a morte?
O que é a vida?
Do primeiro átomo surge um movimento:
Há uma energia decorrente
Formam-se as células
Harmonicamente
E vem o fenômeno da Vida
Surge o som
A cor
O calor
Quando a vida chega ao “ser-homem”
É o momento de evolução da Vida
O momento da consciência
O instante em que a “vida sabe que vive”
É a passagem do biológico para o espiritual
Do natural para o transcendente
Do ser para o “ser mais”
É a saída da impassibilidade para a “auto-condução”
Para a escolha
Para a alegria
Para a “felicidade”
Rompe-se o equilíbrio da matéria!
Os átomos e as células não seguem apenas os primeiros impulsos
Há uma força interna que lhe traz qualidade nova:
O gesto do Homem
O seu olhar
A ação humana, enfim
Toda a natureza passará pelo efeito de uma ação nova
De construção ou destruição
De acolhimento ou rejeição
De amor ou de ódio
Haverá uma imensa comunidade feliz e fraterna
Ou, com a ignorância, a Bomba de Neutron!
Ruy Cezar do Espírito Santo