sábado, 23 de abril de 2011

A regra de ouro como base das relações humanas

Uma nuvem de insegurança, medo, omissão e comodismo paira sobre o fenômeno do bullying nos dias de hoje. Esta questão deixou de ser apenas educacional e passou a ser uma questão de saúde pública também.

Tendo como base três fontes: a obra da Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva “Bullying – mentes perigosas nas escolas”, uma matéria da revista Isto É de 01/04/2011 e uma matéria da revista Veja de 20/04/2011, pretendo estimular a discussão desse tema para que as escolas e a sociedade em geral coloquem o bullying como pauta do dia para que a tragédia de Realengo não caia no esquecimento sem que medidas assertivas sejam tomadas visando o combate ao bullying e a redução desse comportamento abominável. Não pretendo trazer aqui nenhuma novidade sobre o tema, mesmo porque na maioria das vezes não carecemos de novidades, mas de informações básicas.

O bullying sempre existiu nas escolas. Esse termo vem da palavra inglesa bully que significa valentão e foi criado nos anos 70 pelo professor sueco Dan Olwes após associar as agressões sofridas pelos estudantes no ambiente escolar aos transtornos psicológicos sofridos pelos estudantes agredidos.

O que caracteriza o bullying? Segundo a Dra. Ana Beatriz em sua obra já citada, o bullying acontece quando apenas alguns se divertem à custa de outros que sofrem. Abrange todos os atos de violência (física ou não) que ocorrem de forma intencional e repetitiva, sem motivação específica ou justificável, contra um ou mais alunos, impossibilitados de fazer frente às agressões sofridas.

Normalmente as vítimas apresentam características que se desviam do padrão: são gordos ou magros demais, muito baixos ou altos, possuem alguma marca física como sardas, que os diferenciam dos demais, chegando até mesmo a uma deficiência física mais grave .

Comportamentos agressivos e transgressores infantojuvenil vem crescendo assustadoramente, e as escolas, autoridades públicas, pais, não conhecem o tema suficientemente bem a ponto de encará-lo de frente.

Dados apresentado pela revista Veja levantados em 2010 entre estudantes do ensino fundamental em escolas públicas e privadas, apontam que:

-10% foi alvo de bullying em 2010

-17% foram vítimas de cyberbullying (agressões pela internet)

-20% presenciaram atos de violência com freqüência

-28% dizem que sofrem maus tratos na escola

-58% das escolas não acionam os pais das vítimas nem dos agressores

-80% das escolas não punem os autores do bullying

Outro dado importante é que as Varas da Infância e da Adolescência têm recebido um número cada vez maior de denúncias sobre bullying, sendo que quase a totalidade das denúncias é relativa a ocorrências em escolas públicas, o que na opinião da Dra. Ana Beatriz significa que as escolas particulares estão fazendo “vistas grossas” em relação ao bullying ocorrido em suas dependências.

Uma abordagem interessante encontrada nesta obra é que o bullying é um fenômeno de mão dupla: ocorre de dentro para fora da escola e vice-versa. Muitas tragédias que acontecem nas imediações das escolas, em shoppings, festas, ruas foram motivadas e iniciadas dentro do ambiente escolar.

Alguns projetos que visam o combate ao bullying estão sendo implementados pelas escolas com base no desenvolvimento da capacidade de se colocar no lugar do outro e de reagir positivamente a situações adversas, no trabalho de despertar habilidades individuais de alunos menos sociáveis para melhora da autoestima dos mesmos, e o desenvolvimento da criatividade como forma de canalizar o impulso agressivo para algum talento.

No ano passado duas alunas do 2° ano do ensino médio da Escola Estadual Melvin Jones, em Caxias do Sul (RS), desenvolveram um programa anti-bullying para ser aplicado aos alunos do 5° ano do ensino fundamental, baseado em palestras e encontros entre pais e professores, resultando em diminuição dos casos de bullying.

Em São Paulo, no Colégio Magister os alunos do 7° ano participam de uma dinâmica de grupo cujo objetivo é fazê-los se colocar no lugar do aluno que sofre gozações, apelidos e agressões. Cada estudante recebe um adesivo com um apelido escrito, que é colocado às costas. Sem saber qual o rótulo, passa a ser tratado pelos amigos como tal. Após 15 minutos, todos são chamados a discutir o que vivenciaram. Assim passam a pensar um pouco mais antes de agredir algum colega.

O colégio paulistano Magno, adverte que hoje em dia tudo virou bullying e para distinguir o fenômeno de briguinhas corriqueiras entre colegas , promove encontros do corpo docente com psicólogos para que os episódios de bullying sejam identificados.

Na escola municipal carioca Fernando Tude de Souza, a coordenadora Tânia Maselli diz “Quebramos o silêncio ao trazer os pais à escola para falar sobre o assunto e reunir os agressores, as vítimas e os alunos que testemunharam a violência, para juntos produzir uma cartilha anti-bullying”. Ela elege a mudança de cultura como o primeiro passo e a punição aos agressores por parte da escola como segunda medida a ser tomada.

Segundo David Homblas, orientador educacional de Centro Educacional Pioneiro, a melhor alternativa é a prevenção: o primeiro passo é sensibilizar os alunos para a questão. Em 2010, crianças entre 6 e 13 anos assistiram a filmes, ouviram palestras e debateram o tema. Neste ano, na segunda fase do projeto, os alunos irão participar de concursos de redação e criação de cartazes sobre a violência nas escolas.Os melhores trabalhos serão espalhados ao redor da escola como forma de chamar a atenção para o problema.

O Instituto Glia lançou o Projeto Atenção Brasil – um retrato atual da criança e adolescente no Brasil. É uma cartilha sobre bullying , saúde mental, e a importância de se educar para a resiliência. Pode ser baixado gratuitamente pelo site (http: //aprendercrianca.com.br)

No 18° Congresso Internacional de Educação que acontecerá em São Paulo entre os dias 18 e 21 de maio, as pedagogas Aloma Felizardo e Elenice da Silva palestrarão sobre o tema “Bullying e Cyberbullying. O combate de todo o Brasileiro”. Com toda a certeza a responsabilidade sobre a condução desse tema aumentou muito depois da tragédia de Realengo e a expectativa sobre essa palestra também.

Outra questão que está em pauta é a criação de uma lei federal que castigue os autores do bullying. Segundo informações da revista Veja, quando esses casos chegam à Justiça, são enquadrados em infrações previstas no Código Penal, como injúria, difamação e lesão corporal.O Estatuto da Criança e do Adolescente pode ser acionado, mas na prática, é pouco eficaz. “Os juízes das Varas da Infância e Juventude muitas vezes não dão prioridade aos casos de bullying por julgá-los de menor gravidade”, diz o advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas, Marcelo Leonardi.

Um projeto de Lei (n° 350, de 2007) do deputado estadual Paulo Alexandre Barbosa (PSDB-SP), aguarda para entrar em votação na Câmara Legislativa de São Paulo, e reza que o Poder Executivo fica autorizado a instituir o programa de Combate ao Bullying, de ação interdisciplinar e de participação comunitária nas escolas públicas e privadas do Estado de São Paulo.

As referências e valores que orientam nossos comportamentos na sociedade poderiam se resumir em uma única regra presente em diversas tradições religiosas e culturais:

Na tradição cristã: “E, como vós quereis que os homens vos façam, da mesma maneira lhes fazei vós também”. Evangelho de S.Lucas 6:31

Budismo: “Não prejudique os outros de maneiras que você mesmo julgaria prejudiciais”. Udanavarga

Judaísmo: “Aquilo que é odioso para você, não imponha aos outros”. Talmud, Shabbat 31ª

Hinduísmo: “Nenhum de vocês será fiel até que deseje para seu irmão aquilo que deseja para si mesmo”. Sunam

Confucionismo: “Não faça aos outros aquilo que não gostaria que lhe fizessem.” Analectos

Nessa única regra, está presente valores como respeito, compaixão, justiça, solidariedade, altruísmo, valores que devem ser cultivados no seio familiar e nas escolas desde os primeiros anos de vida.

Abraço fraterno
Ana Lúcia Machado

11 comentários:

  1. Oi Ana,

    Realmente é um tema que não podemos deixar de abordar com todos: pais, alunos e professores.
    Muito oportuna sua referência às religiões.
    Um abraço,

    Claudia Iazzetta

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  2. Olá a todos,
    A influência dos meios eletrônicos no aumento da agressividade deveria ser levada em conta em relação ao aumento do bullying -- a ponto de se fazer pesquisas sobre ele, como citado pela Ana. Transcrevo abaixo o cap. 6 de meu artigo "Efeitos negativos dos meios eletrônicos em crianças e adolescentes" (as referências estão no fim do artigo), em

    http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/efeitos-negativos-meios.html

    6. Intimidação a colegas (bullying)

    Vou permitir-me aqui citar com certa extensão as palavras de Zimmerman et al. (2005), relatando uma pesquisa multivariada (isto é, mantendo alguns fatores constantes), em que constataram que "o estímulo cognitivo, o apoio emocional e a exposição à televisão aos 4 anos de idade foram cada um independentemente associados com o fato de a criança ser considera um intimidador (bully) no ensino fundamental, conforme relato das mães. Esse resultado estava presente mesmo quando se controlou um número de fatores que poderiam potencialmente confundir o resultado, incluindo nível sócioeconômico e a idade da criança, raça ou etnia, e sexo. ... Um aumento de um desvio padrão no número de horas de televisão vistas na idade de 4 anos é associado com um aumento aproximado de 25% na probabilidade de [a criança] ser descrita como um intimidador pela mãe nas idades entre 6 e 11 anos. ... No nosso conhecimento, este é o primeiro estudo testando a hipótese de que, em idades tenras, apoio emocional, estímulo cognitivo e ver televisão estão associados com intimidação posterior." Note-se que no artigo, eles acharam que o estímulo cognitivo e o apoio emocional, ao contrário da TV, diminui o risco de a criança tornar-se um intimidador. "O papel de ver televisão muito cedo é particularmente provocativo devido à ênfase, na literatura existente, em ver televisão só entre crianças maiores, tais como com 9 anos e adolescentes. A maior parte da literatura concluindo que a televisão está associada com um aumento da agressão trata somente da mídia violenta, não somente mídia ou televisão em geral. No entanto, aproximadamente 60% dos programas de televisão contêm violência, portanto o número de horas vistas de televisão provavelmente correlaciona com o número total de horas vistas de televisão violenta. Talvez alguns programas que não são explicitamente violentos também levam a um comportamento intimidador. Por exemplo, alguns programas contêm exemplos de pessoas comportando-se com falta de respeito para com outras, o que poderia servir de modelo para crianças embarcarem no tipo de abuso verbal que é qualificada como intimidação na maior parte das definições. ... Nossos resultados têm algumas implicações importantes. ... nós adicionamos intimidação à lista de consequências negativas potenciais de assistir excessivamente televisão, ao lado de obesidade, falta de atenção e outros tipos de agressão. ... nossos resultados sugerem alguns passos que podem ser tomados com crianças para prevenir potencialmente que se tornem intimidadores. Maximizar o estímulo cognitivo e limitar assistir televisão nos primeiros anos de desenvolvimento podem reduzir o risco de crianças tornarem-se intimidadores." Nesse sentido, como muitos outros autores, eles citam o relatório da American Academy of Pediatrics (AAP 2001) "recomendando que crianças até 2 anos de idade não devem assistir televisão e depois dessa idade devem ver com limites." Ver minhas observações no item 3.

    Não encontrei estudos sobre esse tipo de efeito em video games. Mas tenho certeza absoluta de que os resultados serão nesse caso muitíssimo piores, já que em geral os jogos mais apreciados são violentos, e eles condicionam não só pela imagem, como na TV, mas também pela ação. Spitzer (2005, p. 240) cita uma pesquisa que analisou 33 jogos da Nintendo e da Sega: 80% deles continham violência e agressão, sendo que 20% mostravam violência explícita contra mulheres – o que nos leva ao próximo item.
    +++++++++++
    Continuo na próxima postagem, devido a limites de tamanho.

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  3. Continuando...

    Acrescento o seguinte: somente uma educação que faça com que os professores conheçam profundamente seus alunos individualmente pode detectar problemas de bullying logo em seu começo. Esse é justamente o caso da pedagogia Waldorf, em que cada professor deve ter constantemente na consciência a individualidade de cada aluno, e em que há a figura do professor de classe (que dá todas as matérias principais do 1o. ao 8o. anos) e do tutor de classe (do 9o. ao 12o. anos) o que lhes permite conhecer profundamente cada aluno e detectar mudanças de comportamento.

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  4. Ontem vi uma cena na novela Rebeldes da Record, onde todo os 5 minutos eram atos que poderiam ser chamado de bulling, e também algo que é pior a competição a qualquer preço... será que não existe algum estudo sobre a influência de filmes, novelas, a TV em geral na formação?

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  5. Olá, Anônimo,

    O mais importante efeito da TV é induzir normalmente um estado de sonolência no telespectador. Esse efeito é arrasador na formação de crianças e adolescentes, que justamente deveriam estar desenvolvendo sua consciência de vigília, atenção e concentração. Como o ser humano grava tudo o que vivencia, toda a sujeira mental transmitida pela TV fica gravada para sempre, na quase totalidade no subconsciente. Por isso houve um casamento perfeito entre propaganda e TV. Há uma tonelada de estudos científicos mostrando os efeitos negativos da TV. Veja vários citados no artigo que citei no início de minha postagem anterior.
    Em minha opinião, a TV foi a maior tragédia que ocorreu para a humanidade: metade desta é bestificada todos os dias por esse aparelho -- independentemente da programação sendo transmitida.
    Acho muito curioso alguém reclamar dos programas de TV: por que os assiste???

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  6. Aprecio a abordagem sobre a televisão feita por Neil Postman em sua obra "O desaparecimento da infância". No capítulo intitulado "O meio que escancara tudo", Postman diz que a televisão revela segredos, torna público o que antes era privado e ao fazer isso elimina uma das principais diferenças entre a infância e a idade adulta, e que despejando sobre a criança uma enorme quantidade de material adulto, a infância tende a desaparecer.

    Como pais e educadores de crianças pequenas, é nosso dever desenvolver na alma infantil um sentimento de gratidão e confiança no mundo. Sob esse aspecto Postman formula duas perguntas muito pertinentes que tentam trilhar o caminho da influência do meio televisivo sobre a formação da criança:

    - Até que ponto a representação do mundo como ele é enfraquece a crença de uma criança na racionalidade adulta, na possibilidade de um mundo bem ordenado, num futuro cheio de esperança?
    - Até que ponto corrói a confiança da criança em sua capacidade futura de controlar o impulso para a violência?

    Às crianças maiores, acredito que devemos enquanto família e escola, desenvolver um senso crítico para que elas aprendam a fazer uma leitura correta desse meio de comunicação.

    E sobre a combinação letal TELEVISÃO X PUBLICIDADE, o Instituto Alana produziu um documentário excelente "Criança, a alma do negócio", que mostra a vulnerabilidade da criança frente a essas forças esmagadoras do mundo capitalista consumista.

    Resta desejar que nós adultos tenhamos o bom senso para a condução dessas questões tão profundas.

    abraços
    Ana Lúcia Machado

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  7. Em tempo: nenhuma escola no mundo inteiro está imune ao bullying. A realidade que temos diante de nós hoje é está: o bullying acontece em todas as escolas.

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  8. Olá a todos,

    O melhor livro de Neil Postman, em minha opinião, é o "Amusing ourselves to death -- public discourse in the age of show business", onde ele mostra como a TV transformou tudo em show: educação, religião, política etc.

    De fato, nenhuma escola está imune ao bullying, principalmente devido não só a ela, mas ao que acontece em casa. O importante é distinguir vários tipos de educação escolar -- por exemplo, qual escola faz com que seus alunos respeitem e amem mais a natureza e os seres humano?

    Aproveito para tocar em um ponto: histórias em quadrinhos e desenhos animados sempre apresentam uma caricatura do mundo. É isso que queremos que as crianças desenvolvam como sua visão de mundo, que este é uma caricatura? Não é possível criar nelas sentimentos de veneração e respeito quando são entupidas por caricaturas. Sem esses sentimentos, estamos abrindo caminho direto para o bullying.

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  9. Ana Lucia, certamente a origem do bullying começa em casa. Muitos pais delegam à escola, e apenas à escola a solução do problema. Sou apaixonadíssima pela escola Waldorf, pois após meu filho ter estudado na Steiner por 4 anos e depois ter ido para escola de outra filosofia, pude perceber a diferença que faz o trabalho que a maioria dos pais Waldorf fazem com seus filhos, com a escola e entre as diferentes famílias. Um abraço e parabéns pelo seu artigo.

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  10. Sem dúvida esse aspecto da pedagogia Waldorf é primoroso e deve ser amplamente compartilhado, dividido com outras abordagens pedagógicas. A boa semente dever ser espalhada pelo mundo.
    abraços
    Ana Lúcia Machado

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  11. Obrigada por este artigo. Belíssimo!!!

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