segunda-feira, 21 de março de 2011

Um novo olhar

Recentemente assisti o filme "Como estrelas na Terra", uma produção de 2007 do diretor indiano Aamir Khan. O filme conta a história de um menino que sofre de dislexia. Relata seu sofrimento na escola, entre amigos e no ambiente familiar. Até o dia em que um professor substituto de Artes entra em sala de aula e olha para o menino. Com um olhar sensível e um plano pedagógico, ele consegue resgatar a alegria de viver do menino e sua vontade de aprender.

Ao ver o filme me perguntei: qual a linha pedagógica desse professor? Sócio-construtivista? Sócio-interacionista? Montessoriana ou Waldorf?
A linha pedagógica praticada por esse professor é a Pedagogia do Amor. Um tipo de abordagem milenar, idealizada e difundida por Jesus Cristo, que em toda sua trajetória de vida mostrou compaixão e ofereceu um olhar atento e individualizado à todos que dele se aproximavam.

A história do menino Ishaan muito me fez lembrar uma frase de Goethe: "Trate um homem como ele é e ele permanecerá como é; trate-o como ele deve ser e ele será como pode e deve ser" e outra de José Saramago no Ensaio sobre a cegueira, "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara."

Qual a qualidade do olhar daqueles que educam as crianças? Certas crianças encontram-se prisioneiras de um olhar cristalizado e estigmatizante. Um olhar viciado, que enxerga as mesmas coisas sempre.

O olhar que alcança a essência da criança é o tipo de olhar fluídico, aquele que não se fixa em um único ponto, é penetrante e tem longo alcance. O olhar que enxerga a necessidade da criança é um olhar livre de preconceitos, que se renova a cada dia, criando uma nova possibilidade de vir a ser.

Assim Cristo olhava seus discípulos, com um olhar profético, tipo de olhar que alcança o futuro, independente das circunstâncias adversas do momento presente. Um olhar que vê além das aparências e comportamento em si. Esse é o olhar crístico que devemos almejar. Assistam o filme. Vale muito a pena.

"Aquele que muda de olhar, muda de mundo." (Jean-Yves Leloup)

Em tempo: Bendito sejam os professores substitutos que chegam como uma possibilidade de renovação do olhar para individualidades ofuscadas e imprimem uma dinâmica diferenciada para o coletivo!

Boas reflexões, abraço
Ana Lúcia Machado

11 comentários:

  1. Assisti ao filme: Como uma estrela na Terra no último dia 09.03.2011 na reunião de planejamento do ano de 2011 na escola que ministro aulas.Simplesmente o filme é Maravilhoso. Adorei no seu texto o enfoque do olhar. Assisti pensando no que sabia sobre a Pedagogia Waldorf, mas acho que sei pouco, pois não consegui identificar características dela. Aí você fala da Pedagoga do Amor, então devo concordar com você em gênero, número e grau em tudo que escreveu. Parabéns.

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  2. Ivan, o filme é realmente maravilhoso. Identifiquei algumas técnicas que já ví sendo aplicadas na Pedagogia Waldorf, por exemplo quando o prof° está apresentando as letras para o Ishaan e o faz explorando vários sentidos, o tato principalmente como um diferencial. Porém não importa que nome damos a metodologia aplicada em sala de aula. Como falo no livro CLAREAR - A PEDAGOGIA WALDORF EM DEBATE: "Nenhuma pedagogia é necessariamente boa por si só. São os educadores que a tornam boa ou ruim em sala de aula com os alunos". Por isso que a Pedagogia do Amor é o que realmente faz a diferença na prática pedagógica. Como diz Paulo Freire em PEDAGOGIA DA AUTONOMIA, leitura obrigatória para todo professor, "Ensinar exige amor pelos educandos". Educar exige um olhar de compaixão para com à criança. Grata por compartilhar sua visão.

    Abraço
    Ana Lúcia Machado

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  3. Quero compartilhar uma poesia de autoria do Profº Ruy Cezar do Espírito Santo enviada como uma contribuição para essa reflexão sobre o olhar:


    OLHAR

    Olhar profundamente
    No mais dentro dos olhos
    Perceber o invisível
    Que é expresso

    Saber do acolhimento
    Da busca
    Do encontro profundo
    Além do tempo...

    Os olhos nos dizem do Agora
    Trazem-nos ao presente
    Situam-nos na relação
    Na relação compassiva

    Buscar o outro
    É buscar seu olhar
    É descobrir a Luz
    É deixá-la iluminar...

    Ascender à luz
    É olhar e deixar-se ver...
    Intensamente

    Abraço
    Ana Lúcia Machado

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  4. Ana Lúcia, parabéns pelo seu blog. Como mãe, vejo que no filme, o olhar desse professor , mais do que resgatar a alegria de viver do menino, deixou florescer as suas habilidades que estavam soterradas. Nossas escolas focam nos problemas dos alunos e esquecem que um bom desempenho nasce das qualidades e dos talentos.
    No livro As Novas Realidades, Peter Drucker, aponta :
    “Nós sabemos que diferentes pessoas aprendem de maneira diferente; sabemos que, na realidade, o aprendizado é tão pessoal quanto uma impressão digital. Não há duas pessoas que aprendam da mesma maneira. Cada um tem uma velocidade diferente, um ritmo diferente, um grau de atenção diferente. Se lhe for imposto um ritmo, uma velocidade, ou um grau de atenção estranho, haverá pouco ou nenhum aprendizado. Haverá apenas cansaço e resistência. Nós sabemos . . . que pessoas diferentes aprendem matérias diferentes de maneira diferente. A maioria de nós aprendeu a tabuada através da repetição e dos exercícios. Mas os matemáticos não ‘aprendem’ a tabuada: eles a ‘captam’, por assim dizer. Da mesma forma, os músicos não aprendem a ler uma partitura: eles a ‘percebem’. E nenhum atleta nato jamais teve que aprender como pegar uma bola. Algumas coisas de fato têm que ser ensinadas — e não apenas valores, percepções e significados. Um professor é necessário para identificar os pontos fortes do aluno e para direcionar um talento à sua realização. Nem mesmo um Mozart teria se tornado o grande gênio que foi sem seu pai que era um verdadeiro mestre. . . . A nova tecnologia . . . é uma tecnologia de aprendizagem, e não de ensino. . . . Não resta dúvida que grandes mudanças irão ocorrer nas escolas e na educação — a sociedade instruída irá exigi-las e as novas teorias e tecnologias de aprendizagem acabarão por efetivá-las” [pp.212,215].
    Sucesso para o seu blog.
    Marlene Kuhnisch

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  5. Gosto de pensar no professor como um facilitador de habilidades latentes.
    Há uma frase de Heidegger que diz "Ensinar é mais difícil que aprender, porque ensinar é deixar aprender".
    Marlene, obrigada por sua contribuição para essa reflexão sobre o olhar do educador.
    O sucesso do blog quem faz são todos aqueles que como vc contribuem com sua visão de mundo e discutem idéias.

    abraço
    Ana Lúcia Machado

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  6. Ana, você sabe, assim como eu, que muitas vezes algumas coisas surgem em nossas vidas de repente, inesperadamente; achamos que por surgirem assim, é nosso, é nosso caminho, nossa "missão." Penso que não. Nem sempre essas coisas perduram. Mas, apenas surgem para que possamos muito mais tirar delas,aprender com elas, do que passa-las ativamente. É claro que iremos passar, mas a intenção da vida é bem outra. O legado é muito mais para nós,do que para potencialmente ser compartilhado. E, em minha opinião, com a pedagogia Waldorf (principalemente) vem acontecendo algo assim. O seminário atrai pessoas, muitas pessoas, que ao sairem de lá, pensam que estão prontas para deixarem seu legado, acham-se detentoras de um grande "saber" e iniciadoras desse saber aos outros:crianças e adultos. E não é bem assim. A tarefa é complexa, árdua, porque ensinar com dedicação,"amor," requer envolvimento, requer "pessoalidade" e não "impessoalidade." Mas, como falar em uma Waldorf impessoal? SIM. Mas, então não seria Waldorf? Ontologicamente NÃO. Está na escola Waldorf? SIM. Resumindo: muita empolgação para pouco preparo pessoal. Então, como chegar em uma sala de aula repleta de seres diversos e aplicar em um único bloco os ricos ensinamentos aprendidos? É "primordialmente necessário" que se enxergue de maneira ampla que ali existem seres particulares em todos os âmbitos da vida, há a diversidade (o que é ótimo),diversidade esta, que nenhum curso, seminário, faculdade, seja lá o que for, abarcará. Sobretudo,a informação também não pode jamais ser passada em um único bloco de igualdade. Assim, penso que mais do que se "achar," precisa realmente "ser" apto para perceber e sentir; ainda que se disponha de uma gama de ferramentas, mas ferramentas são meras ferramentas se não existir aptdão,habilidade e dedicação. Então, quando se pensa que tudo foi aprendido em 04/05 anos, vê-se que não, ali foi apenas um começo e posteriormente muito será requerido,ou seja, muita "pedagogia do amor." Nesse momento, cabe a cada iniciador ou professor ter a simplicidade ou a humildade de se olhar verdadeiramente e se perguntar se está mesmo pronto para a pedogogia Waldorf, montessoriana, construtivista ou verdadeiramente para a "pedagogia do amor." Um beijo. Obrigada pelo espaço.Cátia Cristina Benevenuto

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  7. Sandra Seabra Moreira24 de março de 2011 às 11:51

    Nossa, cada vez mais interessante essa discussão! É verdade que o entusiasmo é necessário; também as ferramentas aprendidas num curso o são. O entusiasmo é calor,é o fogo que faz tudo se mover. O conhecimento adquirido denota o esforço de aprendizado, às vezes árduo. Nos dois aspectos há a força criativa do amor.Mas, em ambos os aspectos, há um benefício enorme para quem os sente e pratica. E educar não é um ato que leve só ao preenchimento de si mesmo, embora isso também faça parte do processo. Basicamente, para educar é necessário interesse, compromisso, confiança, que se expressam em ações diárias, repetidas, organizadas. Ora reinventadas, ora aprimoradas. Uma pedagogia do amor se expressa, principalmente, nos atos do dia a dia. Não basta um olhar diferente, é o ato advindo deste olhar que vai mudar a situação pouco satisfatória. Isso exige trabalho! Olhares diferentes, ações diferentes e conjuntas.Isso é possível, é viável,mas exige muito! Por isso concordo com a Cátia. Há muitas outras profissões no mundo para quem não se sente apto a doar, de fato, seus talentos.

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  8. Cátia, você traz um tema importantíssimo para se clarear: a formação dos professores. Os cursos de pedagogia precisam garantir a formação de um educador apto a assumir uma sala de aula com todas suas implicações e abrangência. E os professores por sua vez precisam entender a importância do trabalho constante de autoavaliação, autoconhecimento e autoeducação.

    Abraço
    Ana Lúcia Machado

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  9. O comentário a seguir é de Margit Perner, que aborda questões bem significativas retratadas pelo filme que dizem respeito a importância do trabalho do educador em criar um ambiente social acolhedor para a criança garantindo que suas capacidades sejam reconhecidas e valorizadas, afastando dessa forma o fantasma da exclusão social e baixa autoestima da criança:

    "Esse filme, uma sala da nossa escola (Aitiara) passou para interessados. Preciso dizer que chorei do começo ao fim. No passado trabalhei numa família na qual um dos filhos era disléxico (fizeram avaliações somente na adolescência) e sua vida foi muito parecida com esta do menino do filme, inclusive foi ao internato. Infelizmente ninguém descobriu suas capacidades, ninguém conseguiu fazer que ele brilhasse. Hoje tenho a oportunidade de ver o resultado desta educação. Tem 22 anos de idade, já quis se suicidar, não consegue levar um estudo e trabalho ao fim, diz que todos acham que ele é burro e que é um grande incompetente. Muito triste, não reconhece que uma terapia lhe faria bem.

    Com certeza nenhuma linha pedagógica curaria uma criança, sem que a base do trabalho fosse o amor, junto com a capacidade do educador de fazer com que o ambiente social reconhecesse e valorizasse as capacidades de um indivíduo. Existem educadores que amam seus alunos, mas são incapazes de inserí-lo no contexto social. Na verdade, acho que o educador toma as dores, mas não educa no verdadeiro sentido da palavra. A arte é conseguir inserir a criança com "dificuldades" no seu social. E justo por isso, quando nos prendemos à teoria de alguma linha pedagógica, podemos facilmente perder a oportunidade de atender uma criança nas suas verdadeiras necessidades.

    Este olhar que vc comenta, é um olhar que precisamos aprender, ou talvez já nascemos com ele e o perdemos da forma como somos educados. O menino do filme já nasceu com este olhar, e por isso poderíamos chamá-lo de criança cristal, ou criança estrela... não importa, é uma criança da nova Era, que ao ser acolhida nos seu "jeito diferente", poderá um dia educar e atuar com um olhar, o mesmo que vc relata. O menino do filme, até o momento que o professor o descobriu, estva no processo de perder para sempre o que tinha de mais precioso... quantas crianças, inclusive este menino que relatei, talvez nunca poderão vivenciar o encontro consigo mesmos, isto é, se tornam "robôs" do sitema, ou precisam passar uma vida com muito sofrimento, porque não conseguem se inserir nesta sociedade individualista, com tantos limites, tantos rótulos, tantos julgamentos, tantas expectativas, tantas regras... cada vez ingessando mais o SER humano. No meu olhar precisamos educar para criar seres humanos que saibam ultrapassar os limites, sem desrespeitar, sem tirar individualidade,.. como um botão de flor que rompe seus limites e encanta o mundo. Vc já teve a oportunidade de ficar sentada do lado de uma flor que desabrocha? Demora, mas o encanto é indescritível!

    Este olhar Crístico que vc fala é o olhar de quem vai aos céus... tem uma passagem na bíblia que diz algo assim: "irá ao reino dos céus aqueles que voltarão a ser como as crianças". Ao pé da letra seria como se devessemos ser como crianças, com comportamentos infantis, mas na minha interpretação, é que precisamos ter este olhar puro das crianças (sem preconceitos, sem julgamentos...) e o reino dos céus é o mundo da criação (em latim céu significa "coelo", não é na região do colo que se dá a "criação", digo surge um novo ser humano?). O olhar profético as crianças tb tem, mas sua linguagem é simbólica, nossa mente limitada não é capaz de entender."

    Abraço
    Ana Lúcia Machado

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  10. Alguns professores já nascem com esse dom lapidado, mas a grande maioria ainda está por lapidar e por isso há muito trabalho a ser feito.No entanto, acredito que não teremos que esperar muito tempo mais, pois a transformação pela qual passamos será cada dia mais acelerada daqui pra frente. Acredito tambem que, quanto mais trabalharmos em nós mesmos, mais rápida será a transformação da humanidade como um todo.
    Obrigado por compartilhar sua sensibilidade e amor pela educação. Um forte abraço e boas férias para todos os professores.

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  11. Sandra, concordo com vc: a atmosfera transformadora tem se ampliado, pelo despertar da consciência que se intensifica a cada dia, e pelo reflexo do nosso trabalho interior, que como ondas atinge o entorno e irradia luz e amorosidade para toda a humanidade. Tem efeito multiplicador.
    Abraço fraterno
    grata
    Ana Lúcia Machado

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