sábado, 5 de fevereiro de 2011

Quando tudo dá errado - por Sandra Seabra Moreira

Este post é do blog http://sonhesustentavel.zip.net, da jornalista e pedagoga Sandra Seabra Moreira. Nele ela discorre de forma inspiradora sobre o exercício da maternidade. Fala sobre o significado do Seminário de Formação de Professores Waldorf em sua vida e sua experiência como mãe em uma escola Waldorf. Um texto rico e instigante que merece toda atenção.


Quando tudo dá errado

Clarear - A Pedagogia Waldorf em Debate, livro de Ana Lúcia Machado disponível no link (lá embaixo), me fez pensar muito. Há sempre muitas maneiras de se ver as coisas. Clarear traz visões e perguntas de pais que se viram em apuros e o blog de Ana Lúcia se propõe a debater todas as outras visões que surgirem a partir da leitura do livro. É uma iniciativa importante, justamente quando os pensadores da Pedagogia Waldorf alardeam a necessidade de diálogo com todas as demais gentes de boa vontade, independentemente da pedagogia que praticam, em favor de uma infância mais digna e feliz.

Mas não foi só o livro que me fez pensar muito. As notícias que nos chegam diariamente e a experiência pessoal me fazem recordar constantemente a impotência de professores e nossa - dos pais - diante das crianças e jovens. Ao longo de uns vinte e tantos anos, ouvi inúmeras vezes de professores - muitas mesmo, e na verdade, mais do que eu gostaria de ter ouvido - a seguinte frase: "Não sabemos o que fazer com o seu filho".

Mais ou menos eu soube o que fazer com os meus filhos: alimentar, abraçar, orientar, beijar, dar bronca, mandar fazer o dever, fazer o dever junto de vez em quando, conversar, às vezes ignorar, levar no cinema e na livraria, passear no parque e na casa da avó, rezar junto. Enfim, como mãe tudo funciona intuitivamente, ou pelo menos, deveria ser assim. Raras vezes, enquanto eram crianças, me senti impotente diante dos meus filhos. Mas tive de ceder muitas vezes, porque muitas vezes eles estavam com a razão. Na adolescência a situação muda um tanto. A casa vira um campo de batalha. E hoje me lembro de que, para cada sentimento de impotência que me assaltava, eu pensava: "isso não vai ficar assim". Às vezes ficava, às vezes não. Hoje em dia, ainda com filhos adolescentes, percebo que a experiência traz calma, mas não evita conflitos. A sensação de impotência é aliviada pela certeza de que, no final, tudo dá certo. Sim, eu sou otimista e isso ajuda muito, em tudo na vida.

Fui estudar a Pedagogia Waldorf. Para além da avaliação inevitável que se teima em fazer quando as teorias chegam depois da prática consumada, e até por essa teimosia em avaliar, o aprendizado foi imenso. Queria entender muitas coisas e, especialmente, queria saber o que era uma escola cristã. O assunto é vastíssimo e vou direto ao ponto:

Foi recentemente, em meados do ano, que ouvi de novo a frase: "Não sabemos o que fazer". É honesto posicionar-se dessa forma, se não sabem, não sabem, pensei. Porém, chegado o final do ano, a frase não foi: "Não soubemos o que fazer". Ao contrário, foi minha filha que não soube fazer. E eu, claro, errei em alguma coisa, certamente. Entendi, então, que havia algo errado também com essa postura humilde de "não saber o que fazer".

Em meio às questões que se assomam nos momentos de crise, me perguntei: "por que tudo deu errado?". Essa pergunta foi a chave para acessar a minha memória. Lembrei-me com perfeição de uma das incríveis aulas que assisti no curso de Pedagogia Waldorf. A mestra Luiza Lameirão falava a respeito das muitas dificuldades que o professor pode encontrar no caminho. Em dado momento, ela se reportou àquela situação em que o professor tem a sensação de já ter feito tudo, ter usado toda sua teoria, prática e experiência, e ainda assim, as coisas não dão certo com determinada criança. A sensação de verdadeira impotência a gerar desalento e desesperança. Ela comparou esse momento a uma profunda escuridão. Uma escuridão tão densa que provoca ou permite um ponto de virada, ou seja, a entrada da luz. Ao se sentir de mãos vazias, sem mais nada a oferecer, pode-se erguê-las ao mundo espiritual e pedir ajuda! Pode bem acontecer de as idéias surgirem, pode acontecer de toda a situação se inverter. A maioria de nós sabe que isso é possível.

Comecei a entender que não se trata de ter humildade e admitir que se está perdido. Entendi que se isso é fato, se se está perdido, não é para os pais, para a criança ou para os colegas de trabalho que se deve admitir. Mas principalmente para si mesmo. Para pais admitirem erros é até mais fácil, pois o amor para com os filhos impulsiona a transformação. Para professores, entretanto, é necessário mais do que humildade; talvez seja necessário um verdadeiro interesse, um sentimento que, infelizmente, facilmente torna-se vago e se perde em meio às metas, notas, "acordos". De resto, a frase que nos chega tão sincera - "não sabemos o que fazer" -é muito mais uma maneira de introduzir as más notícias do que propriamente um reconhecimento da incapacidade para lidar com a questão. Também não basta admitir que se precisa de ajuda de outros especialistas, porque talvez eles também não resolvam. Pior ainda é mostrar-se um profissional incapaz diante do aluno, o que raramente acontece, pois normalmente, na sala de aula, se evidencia muito mais a incapacidade do aluno do que a incapacidade do professor. Crianças e jovens que respeitam os professores dificilmente conseguem reverter essa situação.

É duro admitir o erro, esbarrar na escuridão. Por outro lado, ao se deparar com as próprias limitações e desassossego, ao se deparar com a própria incompetência, pode-se aperfeiçoar. Que incrível deve ser tornar-se um profissional bom o suficiente para se acercar daquela criança pela qual nada mais pode ser feito. Claro que não basta admitir. Conheço professores que estudam muito, recorrerem aos colegas mais experientes da própria escola ou de outras escolas que professam a mesma pedagogia, acreditam naquilo que os pais dizem do comportamento da criança ou jovem em casa, para conhecê-lo melhor. Acreditar. Talvez essa seja uma boa palavra. Acreditar nas pessoas ao redor, no belíssimo instrumental oferecido por Rudolf Steiner. E acreditar no mundo espiritual.

Eu poderia ter contribuído muito mais para a vida escolar dos meus filhos se os professores me ouvissem. E ouvir aqui é no sentido de acreditar e fazer uso das informações trazidas pelos pais. A maioria tem muito a contruibuir, para além das tarefas comunitárias e do trabalho de pagar escola, psicólogo, fono, massagista e terapeutas.

Imagino que essa é a grande diferença entre uma escola cristã e uma escola "normal". Entretanto, é muito difícil olhar para as próprias limitações. Por isso a pertinência de Clarear. E a disposição de muitos pais, ainda que já afastados das comunidades Waldorf, em debater. Jornada longa, mas imperdível.

5 comentários:

  1. Eu fui mãe de uma Escola Waldorf durante 15 anos e hoje sou professora e agradeço à Ana Lúcia por ter criado este espaço para que nós, amantes da pedagogia waldorf, possamos compartilhar nossas reflexões e repensarmos em conjunto a pedagogia da nova era.
    Existe um ponto na Pedagogia Waldorf, que eu considero o ponto central, por ser aquele por onde se infiltra o sorrateiro e quase indecifrável "mal". Digo quase, por que existe um caminho, uma saída: o autoconhecimento, a autoeducação. É preciso estarmos atentos, e dispostos a encontrarmos em nós mesmos, os obstáculos e ao mesmo tempo o sustentáculo onde as forças do mal se agarram com todas as forças, que são: a ambição desmedida, as meias- verdades, o lidar com forças ocultas com o intuito de manipular pessoas ou situações, mexer no corpo energético de outros indiscriminadamente e em proveito próprio, provocando resultados vantajosos para si, excluindo pessoas e fazendo os outros pensarem determinadas coisas sobre alguém que se deseja manter afastado do processo grupal, interferindo no processo de desenvolvimento dessa pessoa. Bruxaria, magia negra, mais clarmente falando, são o grande perigo que leva a pedagogia waldorf pra longe do ideal de formar seres humanos livres e capazes de dar direção às suas própris vidas.

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  2. Também enxergo o caminho do autoconhecimento e autoeducação como o único capaz de nos conduzir para o aprimoramento e renovação, pessoal e social. Medito em uma frase de Santo Ambrósio que diz o seguinte; "Devemos colocar acima de tudo o conhecimento do nosso eu. O mais útil de todos os conhecimentos é aquele que nos dá a noção exata do que somos e nos ensina a nos dirigir na vida."

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  3. Eu também acho que autoeducação e autoconhecimento são a mola mestra para o bom desenvolvimento e o sucesso de uma Escola Waldorf.
    O amor incondicional, a verdade diante de si mesmo e dos outros, a coerência, a transparência, a coragem de se posicionar, e de dar espaço para o outro também se posicionar e encontrar o seu lugar no grupo, são atos de heroísmo e altruísmo indispensáveis na convivência, crescimento e fortalecimento do grupo.
    Meus dois filhos mais velhos foram os dois primeiros alunos da Escola Waldorf Micael de Fortaleza, fui mãe desta Escola por mais de dez anos,fui professora durante dois anos e hoje acompanho um rapaz de treze anos portador da Síndrome de Down no oitavo ano e estou fazendo a formação em Pedagogia Curativa e Terapia Social em Curitiba.
    Eliza

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  4. Olá, sou mãe numa escola Waldorf, aluna de P.Waldorf, atuei temporariamente em sala de aula e estive na comissão financeira desta instituição, fazendo intenso trabalho com pais da escola.
    Num curso Brasil de Formação Waldorf foi feita a pergunta aos alunos : Qual é a essência da Ped.Waldorf? Discutimos longo tempo sem chegar a resposta de fato e fomos "dormir" com a pergunta...quem se ocupa de fato com os estudos de Antroposofia a sério e tenha aqui como base o livro "o conhecimento dos mundos superiores", chega a resposta quase que obviamente: Auto educação. O professor que não busca fazer da sua vida um processo de auto desenvolvimento, já não está coerente em seu posicionamento numa escola Waldorf.
    Também o trabalho social desenvolvido nas escolas Waldorf precisa ser olhado com muita atenção, pois é ele uma grande sacada educacional que Steiner propõe nas entrelinhas da trimembração social em uma escola que deve ter sua gestão de modo compartilhado entre pais e professores e também amigos, e é aí que entra o social, o lidar com o outro(leia tb sobre Iniciativa Social). Poucas pessoas percebem este detalhe, mas se observado com atenção, compreenderá que um professor faz apenas uma parte do trabalho da Pedagogia Waldorf em sala de aula, e o trabalho social com a comunidade(reuniões,discussões,encontros sociais etc ) num todo completa o resto.Mas, em primeiro lugar, o professor precisa estar inteiro, não digo pronto, pois nenhum de nós está, mas precisa estar decidido e inteiro,disposto a estudar Antroposofia e dedicar-se a este caminho e postura cristã, como toca um dos comentários acima.
    Uma observação feita numa Palestra sobre Trimembração Social me levou a uma séria reflexão : Num grupo de trabalho,o interesse pessoal gera desconfiança. O interesse pelo o outro gera confiança. Pegadinhas que nos cercam deixando claro como andam as posturas cristãs dentro do movimento...o triste, é que muitas vezes não queremos perceber...e abafamos estes nossos egos e sombras, achando que estamos sendo "legais" com nossos colegas.
    Espero que tenha podido contribui para mais reflexões!
    Abraços

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  5. Sua contribuição foi preciosa. Sou grata à vc por ela. A questão da importancia do trabalho de autoconhecimento está presente em muitas reflexões nesse blog; o que mostra que já temos consciência que esse é um dos pilares de sustentação da vida do professor. Porém precisamos agora nos exercitarmos nessa arte que segundo Jung é uma das mais difíceis e exigentes. Esse é o caminho.
    Abraço

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