“É o final de um período de ensino e faço a retrospectiva que deve ser, ao mesmo tempo, a base para preparar o que vem a seguir. Acumularam-se muitas questões não resolvidas. Sinto que a classe precisaria de um novo impulso. (...)
(...) Certos acontecimentos que se repetem entre as crianças desencadeiam em mim antipatias previsíveis e reações rotineiras. E sei muito bem que tudo isso leva a bloqueios, contraria meus ideais de educação. (...)
(...) Surgiram situações em que reagi de maneira inadequada porque estava cansado. Minhas forças esvaíram-se totalmente no preparo de uma matéria nova para mim, que me exigiu em demasia. Não será mais fácil durante a próxima época de História. Os livros já se amontoam em minha escrivaninha. (...)
(...) Enquanto leio o primeiro capítulo de uma obra de 300 páginas, logo percebo que ela pouco me ajudará para o ensino. Não obstante, continuo lutando enquanto o tempo se escoa, já sabendo que jamais conseguirei dar cabo da pilha de livros, apesar da certeza de que a obra decisiva se encontra ali na pilha. (...)
(...) Assumi minha tarefa com entusiasmo e idealismo, mas agora estou exausto... só estou reagindo às exigências externas e que, por isso, jamais consigo satisfazê-las.(...)"
O relato acima é de autoria do Profº Heinz Zimmermann em sua obra “Forças que impulsionam a educação”, porém poderia ser o desabafo da maioria dos professores atuais. Nesse mesmo texto, mais adiante, o Profº Zimmermann conclui: “um professor assim é o oposto do que as crianças precisam”. E como resultado de toda essa angústia, as seguintes perguntas são formuladas por ele:
- Como posso ganhar tempo?
- Como chego a ideias pedagógicas?
- Como supero minha falta de forças e de coragem?
O trabalho de um professor não se limita àquelas horas em sala de aula com os alunos. As atribuições e exigências extras o período de ministração de aulas são enormes: desde a preparação das aulas em si, passando por tarefas burocráticas com preenchimento de formulários, preparação de reuniões pedagógicas, reuniões de pais, correções de cadernos de alunos, organização de exposições pedagógicas e eventos culturais do calendário anual escolar, elaboração e correção de provas, e muito mais. Com tantas tarefas a executar e prazos a cumprir, o tempo tende a comprimir, pressionar até a exaustão, provocando sobrecarga, desgaste e até mesmo o adoecimento do professor.
Existe nesse fazer contínuo, a tendência a uma cegueira quanto ao que é essencial. Corre-se o risco de uma escravidão do fazer, que resulta em ações automáticas, como uma máquina. É o fazer pelo fazer sem um sentido real, desprovido de consciência.
O que leva a escravidão do fazer?
Quando rompemos a ligação existente do fazer com o ser, geramos ações desconexas, desintegradas de nós mesmos. Aquilo que somos não está mais presente na ação.
As energias se esgotam ao executarmos tarefas sem a inteireza do ser, sem o devido foco no aqui e agora. Existe a tendência de nos fragmentarmos entre um tempo que já passou, num lamento ou nostalgia, e entre um tempo que ainda está por vir, onde projetamos nossas expectativas, sem sabermos que o único tempo que nos pertence onde podemos verdadeiramente atuar, é o tempo presente.
A falta de presença, de participação ativa nesse único tempo que nos é dado, impede o acesso a fontes de energia, pois o tempo sem o devido preenchimento de nossa consciência, interesse e envolvimento, escorre improdutivamente e mina nossas forças.
O que dá sentido ao fazer humano é seu trabalho autoral, de natureza criadora, criativa, que só pode se manifestar a partir do interesse, entusiasmo e paixão por aquilo que fazemos. Somente quando atuamos com interesse e inteireza, podemos ser capazes de insights – ideias inspiradoras – que auxiliarão na prática pedagógica.
Portanto dois pontos precisam ser revistos com maior rigor: o primeiro de natureza mais técnica, exige a capacitação do lidar com o tempo por meio da organização, planejamento e discernimento das prioridades diante das exigências. Esse tempo é o tempo do relógio. Nesse aspecto a disciplina é da maior importância para o cultivo de uma relação saudável com o tempo tendo como objetivo produzir resultados satisfatórios. Porém necessitamos compreender também a existência do nosso tempo interior, que abriga nosso estado de espírito. Se entediados, o tempo passa devagar, se ansiosos, mais rápido, e se atentos ao presente, não vemos o tempo passar. O escritor Raduan Nassar em seu romance "Lavoura Arcaica" discorre sobre essa relação tão delicada do homem com o tempo dizendo que: “O equilíbrio da vida está essencialmente nesse bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar ou de espera que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco ao buscar por elas e defrontar-se com o que não é. Pois só a justa medida do tempo dá a justa natureza das coisas”.
O segundo ponto, requer uma análise mais apurada sobre a metamorfose da vontade humana geradora de nossas ações. Da ação instintiva (da qual o animal compartilha com o homem) à ação resoluta, há níveis que vão se elevando à medida que a consciência aumenta. Quando ajo sem nenhuma consciência, estou sendo levado por meus instintos. Ainda distante de minha consciência, há o agir impulsivo. Chamo de aspiração, quando minha ação ainda não é motivada por uma direção específica. A partir de um comprometimento, segue minha intenção um pouco mais direcionada. E com a intensificação do meu compromisso, alcanço a resolução: a decisão de agir com uma direção determinada, específica que conduzirá à realização, à ação em si, plena de consciência. Quando faço algo motivado pelo mais elevado nível da vontade humana, essa ação está totalmente integrada ao ser, é de domínio do ser. Torna-se portanto um fazer autêntico, imbuído de sentido e entusiasmo, vemos então uma total integração do fazer ao ser.
Existe uma fonte renovadora de nossas energias. Ela pode ser encontrada nas pausas, na vivência do vazio e do silêncio penetrante, amoroso e absoluto. O silêncio se encontra entre os intervalos de nossa inspiração e expiração. Nesse espaço de tempo vivemos a experiência de UNIDADE capaz de nos conectar ao TODO.
Que a partir dessa reflexão haja a busca para a libertação desse tempo escravo do fazer. Aproveito para desejar a todos os Professores boas férias.
Abraço fraterno
Ana Lúcia Machado