quarta-feira, 18 de maio de 2011

ESCOLA DE PAIS II

Pela visão ampliada do Ser Humano fundamentada na Antroposofia, são  12  os sentidos do homem apresentados por Rudolf Steiner (1861-1925) em sua Teoria dos Sentidos:
Sentido do Tato, vital, movimento próprio ou cinestésico, sentido do olfato, paladar, visão, térmico ou do calor, e ainda da audição, palavra, pensamento e eu.
Para quem se interessar por esse tema e quiser conhecê-lo com maior profundidade, indico o livro “O organismo Sensório – sua perda e seu cultivo” de Willi Aeppli, pois aqui abordarei brevemente apenas um dos sentidos - o sentido vital -  que segundo Rudolf Steiner, é o sentido que permite a percepção do organismo como um todo e que é percebido pelo homem apenas quando algo nele não está em ordem em sua organização corpórea (mal estar). Para ressaltar um aspecto importante do sentido vital, apresento um texto extraído de um trabalho elaborado pela Dra. Sonia Setzer em 2000, que diz assim:
 “A dor nos fornece uma orientação na vida: se caímos de uma escada, aprendemos a tomar cuidado para não cair outra vez. Nossa cultura tem a tendência de querer eliminar a dor. Não permitimos mais às crianças sentir cansaço físico, que não deixa de ser um tipo de dor; elas andam apenas de automóvel e não mais a pé ou de bicicleta. Acontece que esse tipo de cansaço é muito saudável. A pior forma de cansaço é aquela causada pelo tédio ou pelo excesso de impressões sensoriais. Basta comparar como nos sentimos depois de um dia de caminhada por campos e florestas ou um dia passado num parque de diversões ou shopping center.
Devemos ter em mente também que qualquer aprendizado depende de dor e cansaço, é um processo demorado, exaustivo, que requer esforço, repetição, e por isso também é doloroso. Em nossa vida cotidiana todavia, procuramos receber tudo o mais pronto possível, evitamos qualquer forma de esforço, buscamos a comodidade para nós, e também para as coitadinhas das crianças. Elas não deveriam sofrer, trabalhar, esforçar-se... Outra forma de dor é a dor da espera; queremos receber tudo imediatamente, não temos paciência, exigimos respostas imediatas e queremos ter logo todas as vontades satisfeitas. O mesmo aplica-se às crianças por nossa culpa. Elas precisam aprender a esperar; alguém ainda se lembra da expectativa, da espera ansiosa pelo aniversário, ou por aquela festa, ou a ânsia para que se possa finalmente realizar a viagem planejada há tanto tempo? Uma educação sem dor é semelhante à analgesia ou até mesmo à anestesia. Quem aprende a experimentar a dor “normal”, cotidiana, está preparado para suportar a dor do destino. Quem não teve a oportunidade de fortalecer-se com as dorzinhas “normais”, vai refugiar-se nas mais diversas “analgesias”: drogas, álcool, outros vícios, sexo, “fugas” do mundo, quando tiver que enfrentar as inevitáveis dores do destino. Por outro lado, onde não há vivência da dor, não pode surgir a compaixão. Jamais poderemos ajudar alguém que esteja sofrendo se não tivermos tido vivências dolorosas.”
Porque poupamos nossos filhos desses tipos de vivências: esforço físico, cansaço, frustrações, espera?
O que nós adultos, pais, vemos de tão negativo  nesses sentimentos que nos levam a essa atitude em relação aos filhos?
Como podemos ensinar nossos filhos a tolerar as pequenas frustrações do dia a dia?
Como podemos auxiliá-los a enfrentar as situações de adversidades da vida?
A superproteção enfraquece e impede o desenvolvimento da autoproteção e de recursos próprios de resistência , o que chamo de uma criança sem pele. O confronto com as adversidades da vida fortalecem a vontade. A dor, frustração, espera, são necessárias e salutares para o processo de aprendizado e amadurecimento infantil.  Através delas a criança tem a chance de desenvolver forças de resistências própria.

No longa- metragem documentário de 2002 "Ser e Ter",  o cinesta francês Nicholas Philibert apresenta uma escola comunitária localizada na zona rural da França onde vemos uma única sala com apenas um professor trabalhando com uma turma de crianças entre 3 e 11 anos. O documentário é bem interessante e há uma cena em que o professor sai com seus alunos para uma caminhada, um passeio ao ar livre. Pelos prados podemos ver as crianças super agasalhadas num dia muito frio. Uma cena bem bucólica!  

Uma amiga que foi viver por uns tempos em uma cidade pequena na Inglaterra, relatou  assim que chegou que, na escola a professora de sua filha caçula saia todas as manhãs com as crianças para uma caminhada, independente da temperatura externa.

Lembro-me quando minha filha ainda estava no Jardim, que sua professora intentou uma atividade assim com as crianças, porém o medo que assola constantemente quem vive nas grandes metrópoles, impediu que tal intenção se concretiza-se. Romper os muros da escola não é tarefa fácil, mas devemos tentar.


abraço fraterno
Ana Lúcia Machado

6 comentários:

  1. É bem importante este comentário e precisamos mesmo levar nossos filhos a conviver com dores e frustrações do dia a dia, respeitando, no entanto, a idade e o momento para isso.
    No próximo encontro de pais das escolas Waldorf que vai ocorrer dos dias 27 a 29 no Colégio Micael em São Paulo, vou lançar a 3a. edição de meu livro "Os 12 Sentidos", que tem justamente com subtítulo: "O Sentido Vital e o Sentido da Vida." Josef David Yaari

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  2. Esse mundo de hoje é realmente um eterno contraste, não é mesmo?! Ao passo que pais tentam "super-proteger" seus filhos com a defesa de que fazem aquilo que é melhor para eles (lhes poupando cansaços e dores), vemos crianças sendo cada vez mais "adultizadas", expostas a uma vida adulta apressada, estressada e ansiosa. Há talvez uma inversão de cuidados: melhor seria deixar que as crianças andem a pé, brinquem na areia das pracinhas, sintam pequenas dores e tenham assim, suas infâncias protegidas. Mais uma vez, o texto é brilhante, Maria Lúcia! Obrigada. Lorena Andrade

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  3. Muito legal o trecho postado, me fez pensar! Quanto ao livro indicado de willi aeppli, achei super difícil de encontrar! Só achei em alemão, e não leio nessa língua! Sabe onde vende? Abraços

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  4. Este livro foi publicado pela Escola João Guimarães Rosa de Ribeirão Preto - SP. Foi indicado também o livro de Josef David Yaari, que aborda esse mesmo assunto "Os 12 sentidos - O sentido Vital e o Sentido da vida". abraço

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  5. Olá, Ana. Muito lúcida a sua reflexão. Nós que vivemos na era dos "24hs", pra quem não consegue esperar o amanhecer para fazer suas compras, e na era dos "instantâneos", que são preparados "bem rapidinho", temos bastante a praticar nessa área. Também com relação à dor, por orientação do nosso homeopata, sempre deixamos uma febrezinha controlada nas crianças, durante uma gripe, pra que elas vivessem realmente o que aquele momento pedia: repouso. É fácil dar um anti-térmico e levar a criança pro shopping. Dá a todos a maior sensação de normalidade. Falsa, no entanto.

    Um abraço

    Talita

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  6. Eu tambem gostei demais do seu texto, Ana. Nossa batalha na educação do Theo tem sido justamente essa: ensina-lo a lidar com dores e frustrações que aparecem já nessa tenra idade. Assim como a Talita, não medico o Theo antes da febre atingir os 38 graus, ele tem que tentar sozinho primeiro, ele precisa esperar, por mais birra que faça. A escola do Theo privilegia o brincar, ele se suja na hora das refeições, seus brinquedos nao brincam por ele, nao há bonecos falantes ou games eletrônicos... Ah! Desculpe, ele até tem um bonequinho que fala, mas prefere brincar imaginando, prefere tocar sua viola de madeira, dançar ao som de uma música, o escorregador da praça, a areia do parque... Um beijão! Fernanda

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