Uma das lembranças preciosas da infância que guardo no coração é quando eu sentava no colo de minha mãe e ela lia histórias para mim. Adorava esse momento! Lembro me da história “A casa que Pedro fez”, os chamados contos acumulativos. Pedia para ela repetir, duas, três vezes. Sabe aquela frase conhecida da criança: “de novo”? Quem tem filhos, sobrinhos, netos, alunos pequenos, sabe o que eu estou dizendo. As crianças não se cansam das histórias. As histórias são alimento para a alma infantil e para a nossa também.
Amo os livros, as palavras! Saboreio-as como a um bom prato. Umas são picantes, outras suaves. Algumas calam fundo e ficam lá dentro da gente, ressoando por muito tempo. Algumas são extremamente sonoras e sinto prazer ao pronunciá-las, são melodiosas como uma canção.
Certos livros às vezes me despem, deixam minha alma nua. Revelam o mais íntimo do meu ser e chego a perguntar como não fui eu que escrevi tais palavras? Mário Quintana declarou que “Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente e não a gente a ele”.
A leitura é aventura, diversão, é estímulo para a imaginação. Ler nos alimenta, traz alento, consolo, auto conhecimento. Leio na sala de espera do dentista, na fila do banco, no trânsito, no cabeleireiro. Na cabeceira da cama tenho vários títulos, ora leio poesia, ora um romance.
Ler é transformador e libertador. A história do ex-presidiário Luiz Alberto Mendes é surpreendente. Ele passou mais de 30 anos encarcerado. Foi na prisão que descobriu o prazer pela leitura e isso mudou toda a sua história. Ele relata que lia dentro da cela lotada, com todas as condições desfavoráveis para qualquer tipo de atividade produtiva. De leitor, passou a autor. Escreveu e publicou seu primeiro livro “Memórias de um sobrevivente”. É hoje um homem livre. Vale a pena conhecer a história desse guerreiro.
Li muito para meus filhos quando eram pequeninos. Lia contos de fadas. Os contos de fadas falam em uma linguagem simbólica, universal. Há nos contos de fadas uma riqueza infinita e não é necessário explicar nada à criança porque ela assimila e digere de acordo com a necessidade da sua alma.
Às vezes os pais perguntam: quando começar a ler para meu filho? Como fazer do meu filho um futuro leitor? Simplesmente leia. Sinta prazer na leitura e seu filho também sentirá. Ame os livros e ele também amará. Não deixe essa responsabilidade inteiramente nas mãos da escola. Muitas vezes a consciência da importância da leitura chega tarde demais, na época do vestibular, quando o jovem será obrigado a ler Machado de Assis, Graciliano Ramos, entre outros. Essa história começa em casa:
“Era uma vez um pai e uma mãe que todas as noites contavam uma história para o filho...
E a criança cresceu, aprendeu a ler. Leu seu primeiro livro, depois o segundo e nunca mais parou de ler livros.”
Deixo aqui a história que minha mãe contava para mim todas as noites:
Esta é a casa que Pedro fez
Este é o trigo
Que está plantado no quintal da casa que Pedro fez
Este é o rato
Que comeu o trigo
Que está na casa que Pedro fez.
Este é o gato,
Que matou o rato,
Que comeu o trigo
Que está na casa que Pedro fez.
Este é o cão,
Que espantou o gato,
Que matou o rato,
Que comeu o trigo
Que está na casa que Pedro fez.
Esta é a vaca de chifre torto,
Que atacou o cão,
Que espantou o gato,
Que matou o rato,
Que comeu o trigo
Que está na casa que Pedro fez.
Esta é a moça mal vestida,
Que ordenhou a vaca de chifre torto,
Que atacou o cão,
Que espantou o gato,
Que matou o rato,
Que comeu o trigo
Que está na casa que Pedro fez .
Este é o moço todo rasgado,
Noivo da moça toda mal vestida,
Que ordenhou a vaca de chifre torto,
Que atacou o cão,
Que espantou o gato,
Que matou o rato,
Que comeu o trigo
Que está na casa que Pedro fez.
Este é o padre de barba feita,
Que casou o moço todo rasgado,
Com aquela moça toda mal vestida,
Que ordenhava a vaca de chifre torto,
Que atacou o cão,
Que espantou o gato,
Que matou o rato,
Que comeu o trigo,
Que está na casa que Pedro fez.
Este é o galo que cantou de manhã,
Para acordar o padre de barba feita,
Que casou o moço todo rasgado,
Com a moça toda mal vestida,
Que ordenhava a vaca de chifre torto,
Que atacou o cão,
Que espantou o gato,
Que matou o rato,
Que comeu o trigo
Que está na casa que Pedro fez.
Este é o fazendeiro que colheu o milho,
Para dar ao galo que cantou de manhã,
Para acordar o padre de barba feita,
Que casou o moço todo rasgado,
Com a moça toda mal vestida,
Que ordenhava a vaca de chifre torto,
Que atacou o cão,
Que espantou o gato,
Que matou o rato,
Que comeu o trigo
Que está na casa que Pedro fez .
Abraço fraterno
Ana Lúcia Machado
O que se pode dizer... é que a dica é deliciosa e o caminho é esse mesmo - ler para nossos filhos. E quem não souber ler, não por falta de estudo, mas por falta de entonação ou de paciência, mesmo, vale inventar. Criar histórias com a própria imaginação, estreita o afeto com nossos filhos e os estimulam a buscar mais e mais histórias nos livros. Portanto, não há desculpa, viu. O importante é contar histórias. E a sua lembrança, querida Lú, é linda. A foto também!
ResponderExcluirRecebi do querido Profº Ruy, o texto abaixo para enriquecer esta postagem. Gratidão Profº.
ResponderExcluirEducação e Transformação Social – O Autoconhecimento como ponto de partida
Ruy Cezar do Espírito Santo
O autoconhecimento diz respeito à percepção da integração profunda existente em todo o “saber humano”.
Quando o ser humano se aproxima, por exemplo, de um texto para leitura, haverá sempre a possibilidade de integrar o conteúdo lido, com o saber maior. Este será o Caminho para a “descoberta do sentido”.
Essa integração do saber decorre, em primeiro lugar, da consciência do avanço da ciência, que nos traz hoje a visão de unidade de toda a Vida conhecida.
Sim, a física quântica resgatou para nossa atualidade, que os átomos não são “sólidos”, como os desenhava a física clássica de Newton, mas, ao contrário são formados de pura energia, que incessantemente busca conexões com outros átomos.
Capra, afirma em sua obra “Ponto de Mutação”, que no interior dos átomos a realidade existente diz respeito a “possibilidades de conexões”. Ora, todo o universo material é resultante dessa energia única, que de forma misteriosa dá origem a um simples girassol.
Num enfoque puramente material estaremos diante daquilo que hoje é conhecido como “visão holística”, que é uma integração de toda a matéria e de todo o saber conseqüente, dada essa origem material única.
A grande questão daí decorrente é que tal “possibilidade de conexões” implica num movimento permanente de transformação no universo... Ora, o ser humano é o único ser vivo “conhecido”, que pode saber dessa realidade e, assim, desenvolvendo o autoconhecimento, saberá que pode conscientemente promover transformações à sua volta... Dos sons a música, das tintas um quadro e assim por diante. É, exatamente, a partir desse nível de consciência que temos, por exemplo, hoje, um sem número de ONGS atuando num intenso processo de transformação social!
Ou seja, o ser humano que “ignora” sua identidade profunda, e, portanto, não desenvolveu o autoconhecimento, permanece também ignorante diante do saber maior.
Como já afirmado pela psicologia profunda, o ser humano, além de uma realidade material, consubstanciada no que Jung denominava de “ego”, possui uma dimensão transcendente, que o mesmo Jung denominava de “self”. O desenvolvimento da consciência do “self” é que permite o processo de individuação, segundo a psicologia, e que a filosofia reconhece, como sendo o autoconhecimento.
Assim, além de uma visão holística, decorrente de uma percepção da matéria única que compõe o universo, há também uma integração do ser humano com uma realidade transcendente percebida e vivida, por aquele que desenvolve o autoconhecimento.
Assim, “a descoberta de si mesmo” será, em primeiro lugar perceber sua inserção num universo holístico, como referido, e em seguida, será sua iniciação ao sentido da existência, como corolário dessa possível leitura maior do saber.
Num outro enfoque, quando o ser humano limita sua leitura aos termos de um conteúdo lido, sem integrá-lo à realidade maior, estamos diante do fenômeno de alguém, que ainda ”não se descobriu”, ou seja, não se iniciou no caminho do autoconhecimento.
Tal “ignorância” é que irá dar lugar aos radicalismos e preconceitos, onde a leitura de um texto poderá originar partidários de uma ideologia, ou algo equivalente, que o separará dos demais. É o chamado individualismo ou consciência egóica. Concluindo vamos ver que buscar o autoconhecimento é também buscar o sentido das transformações sociais permanentes de forma consciente.
Ruy
Recebi da querida amiga Tatiana Fonseca a história da sua relação com os contos de fadas. Gratidão por sua contribuição, que com certeza ressoará em outros corações:
ResponderExcluir"Tudo começou quando eu tinha uns 6, 7 anos, e encontrei um livro de Contos de Andersen lá em casa. Era um livro antigo, com a capa caindo. Cada conto tinha ilustrações a bico de pena, bem delicadas. Eu amei dois: “A menina dos fósforos” e “A pequena sereia”.
Mas foi “A menina dos fósforos” que andou comigo por toda a vida. Ela tinha perdido a avó, a única pessoa que a amava e cuidava dela. A menina tinha uns poucos fósforos para vender (os fósforos ficavam no avental dela); enquanto tivesse os fósforos e conseguisse vender os fósforos, ela tinha uma expectativa de vida. Isso na Dinamarca, no maior frio (era noite de Ano Novo). Diante do frio e da tristeza, ela não aguentou e começou a acender os fósforos para se aquecer, um de cada vez. Num dos momentos, está do lado de fora de uma festa numa casa rica. Vê tudo pela janela. Isso não a consola: o que a consola é ver a avó. Ela percebe que cada vez que acende um fósforo, a avó aparece. Até que ela acende o último fósforo, e morre.
Quando eu tinha uns vinte e poucos anos, e estava longe de me tornar esposa e mãe, resolvi dar um passo de fé. E comprei dois lindos livros dos contos dos Irmãos Grimm editados pela Companhia das Letras por volta de 86, 87. Eu li, é claro, todos os contos. A cada leitura, imaginava que quando tivesse uma filha ou um filho, leria esse conto para ele ou para ela.
Pela graça de Deus, um dia eu tive um filho. O Mateus cresceu ouvindo histórias e mais histórias e mais histórias. Ele foi treinado e alimentado com histórias. Dos 2 livros dos Irmãos Grimm, os que ele gostava mais eram os contos “João Fiel” e “O homem que saiu em busca do medo”.
Há filmes, também. O que eu mais amo é “Pele de Asno”, com a Catherine Deneuve, um filme super pop de 1970. Dos desenhos, é “A Bela e a Fera”, claro.
Para você ter uma ideia, no ano passado comprei uma nova edição dos Contos dos Irmãos Grimm, uma edição cheia de notas bibliográficas que ajudam a compreender os costumes das aldeias alemãs das épocas dos contos.
Eu não sei explicar, mas os contos de fadas realmente funcionam. Funcionavam quando eu tinha 6 anos, funcionam agora que eu tenho 49 anos".