Quando mudamos nossa rotina diária, abre-se diante de nós a possibilidade de contemplar
novas paisagens, exercitar o olhar para observar outros cenários, o que provoca
em nosso interior, emoções diferentes daquelas a que estamos acostumados. O
resultado é sempre enriquecedor.
Semana passada, pude mais uma vez romper os limites de meu
Atelier para participar de uma exposição no Santander, numa iniciativa louvável
do Banco de levar aos seus funcionários a arte sustentável. Para quem não sabe,
uma de minhas atividades produtivas é a criação e confecção de acessórios
femininos feitos artesanalmente a partir de materiais descartados pela
indústria têxtil, oficinas de costura e pathwork.
Nessa semana alterei alguns hábitos. Um dos mais impactantes
foi o uso do transporte público. Observar as pessoas dentro do ônibus, seus
semblantes, comportamentos, conversas, foi muito interessante. De modo geral pude perceber
a pouca interação que ocorre entre as pessoas nesse espaço, e observar
um certo isolamento. “Cada um na sua”, com seus celulares, ipods, pensamentos.
Logo no primeiro dia em que peguei o ônibus, numa terça-feira, 12 de Junho, Dia
dos Namorados, fui surpreendida por um
trânsito totalmente caótico. Houve recorde de congestionamento em São Paulo no
final do dia. A cidade simplesmente
enlouqueceu, como se só existisse aquele dia no calendário anual para amar,
como se aquele fosse o último dia para manifestar atenção e carinho à pessoa
amada. Permaneci dentro do ônibus por aproximadamente 2hs e 45 minutos, para
percorrer um trajeto de apenas 6,5 Km. Conforme o tempo foi passando, os
semáforos abrindo e fechando, sem que os veículos pudessem se deslocar um
mínimo que fosse, as pessoas começaram a descer do ônibus. Só não fiz o mesmo
porque depois de um dia inteiro de pé, usando salto alto, sentia meus pés
latejarem e não conseguia nem pensar em dar um passo sequer.
O que mais chamou minha atenção dentro do ônibus foi uma jovem de mais ou menos vinte e poucos
anos, que durante todo o percurso permaneceu com o dedo polegar na boca, chupando-o como se fosse uma
criancinha. Na condição de mãe e educadora, imediatamente comecei a refletir sobre as possíveis causas
dessa atitude. Logo lancei meu olhar para a infância, pois na maioria das
vezes nossos bloqueios, carências, dificuldades
tem origem nessa fase da vida. O que me leva sempre a pensar no termo
resiliência, que na Física quer dizer elasticidade. Trata-se de nossa capacidade de resistência a experiências
negativas, a adversidades da vida.
É fundamental para a construção da base sobre a qual a vida
de cada um é alicerçada, a presença e apoio de pessoas de referência e confiança, a qual a criança possa
recorrer no período da infância. A
resiliência é formada em volta dela a partir de pelo menos uma pessoa que
acompanhe e se vincule amorosamente a ela, por um tempo prolongado. Assim torna-se possível minimizar o impacto da negligência, maus tratos, desnutrição, etc...O que de negativo carregamos para a fase adulta, pode ser transformado com consciência.
Outra observação de impacto para mim, e que me deixou muito satisfeita, foi a constatação
de uma quantidade considerável de funcionários com mobilidade reduzida, seja
cadeirantes ou usuários de muletas, deficientes visuais, auditivos, nanismo. Contemplei uma linda
cena digna de ser filmada e exibida, de dois jovens deficientes visuais provando
perfumes de um expositor que estava ao meu lado.
Muitas vezes nos deixamos levar pela onda de negativismo que
nos faz desacreditar no futuro da humanidade, mas a verdade é que evoluímos
como seres humanos, a despeito de tantos temores que nos cercam e ameaçam nesses
tempos atuais.
O movimento de inclusão social é um exemplo. Desde o início
da década de 90 vem crescendo, conquistando espaço no mundo das corporações e
através de muita luta, com a criação de leis, de cotas de contratação, podemos
hoje testemunhar um novo cenário.
Esse movimento de inclusão social deveria se estender de
maneira mais contundente às escolas. Apesar de alguns avanços, de termos iniciado o ano
escolar discutindo o tema da inclusão, por orientação da Secretaria da
Educação, é muito difícil vermos por
exemplo, crianças cadeirantes em
colégios tradicionais. Ao longo da vida escolar do meu filho mais velho, que
está quase finalizando o ensino médio, e que durante seus anos de estudos
esteve em três escolas, nunca vi uma
criança matriculada com mobilidade reduzida. Onde estão essas crianças? Em
escolas especializadas? Por qual motivo? Não seria enriquecedor a oportunidade de estarem todas juntas?
A capacidade de superação do ser humano é admirável e com
certeza as crianças não portadoras de deficiências se surpreenderiam e amadureceriam
com esses exemplos de vida e com a possibilidade de expressar solidariedade em
inúmeras situações que certamente se apresentariam à elas.
Vamos à luta.
Abraço fraterno
Ana Lúcia Machado