terça-feira, 26 de junho de 2012

OBSERVAÇÕES E PERCEPÇÕES


Quando mudamos nossa rotina diária, abre-se  diante de nós a possibilidade de contemplar novas paisagens, exercitar o olhar para observar outros cenários, o que provoca em nosso interior, emoções diferentes daquelas a que estamos acostumados. O resultado é sempre enriquecedor.

Semana passada, pude mais uma vez romper os limites de meu Atelier para participar de uma exposição no Santander, numa iniciativa louvável do Banco de levar aos seus funcionários a arte sustentável. Para quem não sabe, uma de minhas atividades produtivas é a criação e confecção de acessórios femininos feitos artesanalmente a partir de materiais descartados pela indústria têxtil, oficinas de costura e pathwork.

Nessa semana alterei alguns hábitos. Um dos mais impactantes foi o uso do transporte público. Observar as pessoas dentro do ônibus, seus semblantes, comportamentos, conversas, foi muito interessante. De modo geral  pude perceber  a pouca interação que ocorre entre as pessoas nesse espaço, e observar um certo isolamento. “Cada um na sua”, com seus celulares, ipods, pensamentos.

Logo no primeiro dia em que peguei  o ônibus, numa terça-feira, 12 de Junho, Dia dos Namorados, fui  surpreendida por um trânsito totalmente caótico. Houve recorde de congestionamento em São Paulo no final do dia.  A cidade simplesmente enlouqueceu, como se só existisse aquele dia no calendário anual para amar, como se aquele fosse o último dia para  manifestar atenção e carinho à pessoa amada. Permaneci dentro do ônibus por aproximadamente 2hs e 45 minutos, para percorrer um trajeto de apenas 6,5 Km. Conforme o tempo foi passando, os semáforos abrindo e fechando, sem que os veículos pudessem se deslocar um mínimo que fosse, as pessoas começaram a descer do ônibus. Só não fiz o mesmo porque depois de um dia inteiro de pé, usando salto alto, sentia meus pés latejarem e não conseguia nem pensar em dar um passo sequer.

O que mais chamou minha atenção dentro do ônibus foi  uma jovem de mais ou menos vinte e poucos anos, que durante todo o percurso permaneceu com o dedo polegar  na boca, chupando-o como se fosse uma criancinha. Na condição de mãe e educadora, imediatamente  comecei a refletir sobre as possíveis causas dessa  atitude. Logo lancei  meu olhar para a infância, pois na maioria das vezes nossos bloqueios, carências, dificuldades  tem origem nessa fase da vida. O que me leva sempre a pensar no termo resiliência, que na Física quer dizer elasticidade. Trata-se de nossa  capacidade de resistência a experiências negativas, a adversidades da vida.

É fundamental para a construção da base sobre a qual a vida de cada um é alicerçada, a presença e apoio de pessoas de referência e  confiança, a qual a criança possa recorrer  no período da infância. A resiliência é formada em volta dela a partir de pelo menos uma pessoa que acompanhe e se vincule amorosamente a ela, por um tempo prolongado. Assim torna-se possível minimizar o impacto da negligência, maus tratos, desnutrição, etc...O que de negativo carregamos para a fase adulta, pode ser transformado com consciência.

Outra observação de impacto para mim, e que  me deixou muito satisfeita, foi a constatação de  uma quantidade considerável  de funcionários com mobilidade reduzida, seja cadeirantes ou usuários de muletas, deficientes  visuais, auditivos, nanismo. Contemplei uma linda cena digna de ser filmada e exibida, de dois jovens deficientes visuais provando perfumes de um expositor que estava ao meu lado.

Muitas vezes nos deixamos levar pela onda de negativismo que nos faz desacreditar no futuro da humanidade, mas a verdade é que evoluímos como seres humanos, a despeito de tantos temores que nos cercam e ameaçam nesses tempos atuais.

O movimento de inclusão social é um exemplo. Desde o início da década de 90 vem crescendo, conquistando espaço no mundo das corporações e através de muita luta, com a criação de leis, de cotas de contratação, podemos hoje testemunhar um novo cenário. 

Esse movimento de inclusão social deveria se estender de maneira mais contundente às escolas. Apesar  de alguns avanços, de termos iniciado o ano escolar discutindo o tema da inclusão, por orientação da Secretaria da Educação,  é muito difícil vermos por exemplo,  crianças cadeirantes em colégios tradicionais. Ao longo da vida escolar do meu filho mais velho, que está quase finalizando o ensino médio, e que durante seus anos de estudos esteve  em três escolas, nunca vi uma criança matriculada com mobilidade reduzida. Onde estão essas crianças? Em escolas especializadas? Por qual motivo? Não seria enriquecedor  a oportunidade de estarem todas juntas?  

A capacidade de superação do ser humano é admirável e com certeza as crianças não portadoras de deficiências se surpreenderiam e amadureceriam com esses exemplos de vida e com a possibilidade de expressar solidariedade em inúmeras situações que certamente se apresentariam à elas.

Vamos à luta.
Abraço fraterno
Ana Lúcia Machado